Chuvas e mudanças de temperatura serão fatais para espécies
com menor adaptação à variações de clima, ocasionados pelo aquecimento global
O aquecimento global poderá levar à extinção de até 10% das
espécies de sapos, rãs e pererecas endêmicas da Mata Atlântica em cerca de 50
anos. Isso porque regimes de temperatura e chuva previstas para ocorrer entre
2050 e 2070 serão fatais para espécies com menor adaptação à variação
climática, que habitam pontos específicos da Mata Atlântica.
Essa é uma das conclusões de um estudo que analisa a
distribuição presente e futura de anfíbios (anuros, ou seja, sapos, rãs e
pererecas) na Mata Atlântica e no Cerrado, à luz das mudanças climáticas em
decorrência do contínuo aquecimento global.
O estudo foi publicado na revista Ecology and Evolution. O
trabalho teve como autor principal o herpetólogo Tiago da Silveira Vasconcelos,
da Faculdade de Ciências da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de
Bauru, e foi feito com apoio da FAPESP no âmbito do Programa FAPESP de Pesquisa
sobre Mudanças Climáticas Globais.
Colaboraram Bruno Tayar Marinho do Nascimento, também da
Unesp, e Vitor Hugo Mendonça do Prado, da Universidade Estadual de Goiás.
“O objetivo maior da pesquisa foi fazer um levantamento de
todas as espécies de anfíbios do Cerrado e da Mata Atlântica e caracterizar
suas preferências climáticas nas diferentes áreas que habitam. Com os dados em
mãos, buscamos fazer modelagens para poder projetar cenários de aumento ou de
redução das áreas climáticas favoráveis às diferentes espécies, em função dos
regimes climáticos estimados para 2050 e 2070”, disse Vasconcelos.
Conhecem-se atualmente 550 espécies de anfíbios na Mata
Atlântica (80% delas, endêmicas) e 209 espécies no Cerrado. Vasconcelos
trabalhou com os dados de distribuição espacial de 350 espécies da Mata
Atlântica e 155 do Cerrado, aquelas encontradas em ao menos cinco ocorrências
espaciais diferentes.
“Desse modo, foi possível identificar as áreas com maior
riqueza de espécies de anfíbios, ou com composição de espécies únicas, tanto no
Cerrado como na Mata Atlântica. Uma vez identificadas tais áreas, avaliamos a
comunidade de anfíbios no cenário de clima atual e futuro, de modo a determinar
quais são as áreas de clima favorável para cada uma das 505 espécies
analisadas, e se haverá expansão ou redução dessas áreas em 2050 e 2070, em
função do aquecimento global”, disse Vasconcelos.
Os dados de distribuição espacial das 350 espécies da Mata
Atlântica e 155 do Cerrado foram aplicados em duas métricas de ecologia de
comunidade. A primeira, denominada diversidade alfa, é a diversidade local,
correspondente ao número de espécies em uma pequena área de hábitat homogêneo.
A diversidade beta é a variação na composição de espécies entre diferentes
hábitats e que revela a heterogeneidade da estrutura de toda a comunidade.
Vasconcelos conta que o passo seguinte foi usar os dados de
clima para fazer a modelagem de nicho climático. Foram usados quatro algoritmos
diferentes baseados nas características de clima favorável a cada espécie.
Trata-se de algoritmos de modelo linear generalizado, de árvore de regressão,
de floresta aleatória e de máquina de vetores de suporte.
Os algoritmos serviram para determinar, na Mata Atlântica e
no Cerrado, quais são as áreas de climas semelhantes, gerando um mapa da
distribuição das áreas atuais onde cada espécie pode sobreviver.
A seguir foi a vez de calibrar os mesmos algoritmos com os
cenários de clima futuro, a partir das estimativas feitas disponíveis no portal
WorldClim.
“Para cada cenário futuro, em 2050 e 2070, utilizamos dois
cenários de emissão de gás carbônico na atmosfera, um cenário mais otimista,
com menor aquecimento global, e outro pessimista e mais quente. Também usamos
três modelos de circulação global atmosférica e oceânica”, disse Vasconcelos.
Os dados são do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).
“Para cada uma das 505 espécies analisadas geramos 24 mapas
de distribuição [quatro algoritmos x dois cenários de emissões de CO2 x 3
modelos de circulação global]. Ao todo, foram mais de 12 mil mapas”, disse.
A partir dos resultados dos 24 mapas de distribuição para
cada espécie, foi gerado um mapa consensual e, então, uma matriz de presença e
ausência de espécies, determinando a ocorrência prevista de cada espécie em
2050 e 2070.
“O primeiro impacto esperado da mudança climática nos
anfíbios da Mata Atlântica e Cerrado é a extinção de 42 espécies por meio da
perda completa de suas áreas climaticamente favoráveis entre 2050 e 2070”,
disse Vasconcelos.
Os dados apontam para a extinção de 37 espécies na Mata
Atlântica (ou 10,6% do total) e cinco no Cerrado. Das 42 espécies, apenas cinco
são atualmente consideradas como em risco de extinção pelo Ministério do Meio
Ambiente.
Homogeneização de anfíbios no Cerrado
A maior riqueza de anfíbios da Mata Atlântica ocorre
atualmente na porção sudeste, nos estados do Espírito Santo, Paraná, Rio de
Janeiro, Santa Catarina e São Paulo. Já as regiões interioranas da Mata
Atlântica são as áreas com menor riqueza de anfíbios.
Embora os resultados do estudo apontem para a perda de
espécies em toda a Mata Atlântica, mesmo as taxas mais altas de perdas no
sudeste do bioma não deverão alterar o fato de que esta região específica
permanecerá como a mais rica em anfíbios.
Por outro lado, no Cerrado haverá perda generalizada, mas
também ganho de biodiversidade em determinadas regiões.
“Os resultados da pesquisa indicam uma expansão das áreas
climaticamente favoráveis aos anfíbios, dado que em função do aumento das
temperaturas se espera uma expansão das áreas de Cerrado nas direções norte e
nordeste, ocupando espaços que hoje são de floresta amazônica. A savanização de
porções da floresta amazônica abrirá novas áreas para ocupação dos anfíbios do
Cerrado”, disse.
Especificamente, a mudança climática não deverá alterar a
área de maior riqueza de anfíbios do Cerrado, que fica na margem sul deste
bioma, mas uma considerável perda de espécies é esperada no oeste e sudoeste,
que faz contato com as terras baixas do Pantanal Mato-Grossense. Por outro
lado, poderá haver ganho de espécies em Tocantins, no norte de Minas Gerais e
no oeste da Bahia.
“Os cenários futuros de mudança climática sugerem que poderá
haver uma homogeneização da fauna de anfíbios ao longo da extensão do Cerrado.
Ou seja, aquelas espécies mais generalistas, adaptadas a diferentes hábitats e
que suportam uma variação maior de temperatura e umidade, têm a previsão de
expandir suas áreas de ocupação”, disse Vasconcelos.
Via | Exame
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