Após serem quase extintas pela caça comercial, as ariranhas
estão retornando a rios da Amazônia.
Os últimos indícios da recuperação da espécie foram
divulgados nesta semana pela revista científica Biological Conservation.
Liderada pela bióloga Natália Pimenta, a pesquisa analisou
sinais da presença de ariranhas na bacia do rio Içana, no noroeste do Amazonas,
onde ela havia sido considerada extinta.
O estudo foi feito após outras pesquisas apontarem uma
tendência de recuperação da espécie - com nome científico Pteronura
brasiliensis - em diferentes partes da Amazônia, como a bacia do Solimões e a
região da hidrelétrica de Balbina.
Maior carnívoro semiaquático da América do Sul, com até 1,80
m quando adulta, a ariranha é um dos dois tipos de lontra encontrados no Brasil
e está na Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação, entre as
espécies consideradas ameaçadas de extinção
O estudo no Içana teve início após membros do povo baniwa
alertarem sobre o retorno das ariranhas a seu território, dentro da Terra
Indígena Alto Rio Negro.
Presidente da Associação Indígena da Bacia do Içana, André
Baniwa diz que moradores notaram os primeiros sinais da volta dos animais uns
dez anos atrás, ao encontrar carcaças de peixes com mordidas de um bicho que
não reconheciam.
Os mais velhos deram o veredicto: a ñeewi (ariranha, em
língua baniwa) estava de volta.
Nos últimos anos, os sinais aumentaram - e vários moradores
chegaram a topar com os mamíferos.
Membros da comunidade participaram do estudo sobre o retorno
dos animais, que contou com o apoio das fundações Capes, CNPq, The Rufford
Foundation e Idea Wild.
Baniwa conta que ariranhas não eram vistas na região desde
os anos 1940. Na época, eram as espécies mais cobiçadas no movimentado mercado
de peles amazônicas.
Comércio de peles de animais
Ao pesquisar o tema, a bióloga Natália Pimenta encontrou
estudos que estimaram em 23 milhões os animais caçados na Amazônia Ocidental
para a extração de peles entre 1904 e 1969.
O couro de ariranha - animal amazônico que mais sofreu com a
caça comercial, segundo a pesquisadora - costumava ser exportado para os Estados
Unidos ou a Europa, onde viraria casacos, chapéus e echarpes.
Em um catálogo de 1946 de uma loja de peles em Manaus, o
couro de ariranha é vendido por 180 cruzeiros - acima do preço de peles de onça
(150), maracajá (150) e caititu (47).
Baniwa diz que os próprios membros da comunidade caçavam os
animais para trocar as peles por armas e outros bens. Um bom couro de ariranha
valia o equivalente a duas espingardas.
A modernização das técnicas de caça acelerou o extermínio da
espécie.
A partir dos anos 1960, leis passaram a regulamentar o
comércio de peles silvestres no país. Em 1975, o Brasil aderiu a uma convenção
internacional que proibia o comércio de espécies ameaçadas - entre elas, as
ariranhas.
A demarcação de grandes terras indígenas na Amazônia a
partir dos anos 1990 também golpeou a atividade.
A demanda pelas peles diminuiu, permitindo que as ariranhas
começassem a se recuperar.
Encontros com ariranhas
"As ariranhas estão voltando, mas é só o início de um
processo de recuperação", diz à BBC News Brasil a bióloga Natália Pimenta,
que chefiou a pesquisa sobre a volta da espécie ao Içana.
Segundo Pimenta - analista de pesquisa intercultural do
Instituto Socioambiental (ISA), em São Gabriel da Cachoeira -, a densidade da
população de ariranhas na região ainda é baixa.
Ela diz que, para que a recuperação se consolide, é
necessário que haja diversidade genética entre os grupos remanescentes.
Pimenta notou que, embora os encontros com ariranhas no
Içana tenham se tornado mais frequentes, elas ainda são muito ariscas -
"possivelmente por terem sido tão cruelmente caçadas no passado".
"Como estavam muito isoladas, não estão acostumadas com
a presença de humanos. Quando escutam o barco, logo fogem."
Ela conta que, no passado, as ariranhas eram encontradas da
Venezuela ao sul da Argentina. Mas a caça predatória fez com que ficassem
restritas a poucas áreas, como o Pantanal e as cabeceiras de alguns rios
amazônicos.
Outrora o maior habitat do animal no planeta, a bacia do rio
Negro quase viu a espécie desaparecer.
Nos últimos anos, conforme a espécie começou a se recuperar
no Brasil, Pimenta conta que países vizinhos - como a Bolívia, a Colômbia e as
Guianas - também viram as ariranhas ressurgirem.
Boas pescadoras
André Baniwa diz que a ariranha tem papel importante na
mitologia de seu povo, considerada um dos cinco animais que surgiram no início
do mundo e que viraram pajés, ao lado de botos, morcegos, onças e lontras.
No topo da cadeia alimentar, são associadas à saúde e ao
equilíbrio das águas - e vistas como excelentes pescadoras. "Ela não come
qualquer peixe. Não assusta, não bagunça a água, escolhe o peixe e come só a
parte que interessa."
Ele conta que muitos indígenas esperam que a volta dos
animais seja um indício de que a população de peixes também esteja aumentando.
Outros, porém, temem que as ariranhas compitam com os
humanos pelos pescados. Um ariranha adulta pode consumir até 4 kg de peixe por
dia.
Ataque de ariranhas em Brasília
Também chamadas de onças d'água, elas vivem em grupos de até
20 indivíduos e são territorialistas. No YouTube, há vídeos de ariranhas
expulsando onças de seu território.
"Se alguém chega no ambiente delas, elas vão para cima
para se defender, ainda mais se estiverem com filhote", diz a bióloga
Natália Pimenta.
Em 1977, um acidente no zoológico de Brasília fez com que a espécie
se tornasse temida em muitos lares brasileiros.
Naquele ano, o sargento do Exército Sílvio Delmar Hollenbach
saltou no tanque das ariranhas para resgatar um garoto de 13 anos que havia
caído no local.
O jovem se salvou, mas o sargento não suportou as mais de
cem mordidas e, três dias depois, morreu no hospital.
Para Natália Pimenta, o comportamento de ariranhas em
zoológicos, onde vivem confinadas e estressadas, deve ser relativizado.
"Nunca ouvi nenhum relato de ataques de ariranhas a
pessoas em ambientes naturais", afirma.
Via | BBC
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