O médico brasileiro que busca a cura definitiva do HIV combinando tratamentos e vacina personalizada
Há seis anos, o infectologista Ricardo Diaz devota a maior
parte do tempo do seus dias à solução de um problema global: a infecção pelo
vírus HIV. E ele pode estar chegando mais perto da cura, conforme indicam os
resultados preliminares de seu experimento, obtidos pela BBC News Brasil.
Diaz, que é pesquisador da Escola de Medicina da Unifesp,
lidera um estudo que, no último ano, conseguiu erradicar completamente o vírus
HIV de duas pessoas soropositivas, segundo os resultados.
Agora, elas estão sendo acompanhadas para ver como seu
organismo reage sem o tratamento experimental.
O estudo ainda não foi publicado, mas será apresentado na
íntegra, pela primeira vez, no Congresso Internacional de Aids, o mais
importante do mundo sobre o tema, que acontece na Holanda a partir desta
segunda-feira.
A infectologista Melissa Medeiros, especialista em HIV e
consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia, diz que a pesquisa é
"extremamente promissora" e "traz esperança, acima de
tudo". No entanto, ela afirma que é preciso avançar nos testes para saber
qual seria o impacto do tratamento nas pessoas.
"Quando se fala de algo assim, as pessoas já acham que
a cura chegou. Mas é importante saber que há um tempo de pelo menos cinco a 10
anos até as pesquisas chegarem à população. É preciso bastante tempo até
sabermos se a pesquisa será mesmo bem-sucedida e se é segura", disse à BBC
News Brasil.
Impedindo a volta do vírus HIV
O tratamento contra o HIV disponível atualmente no Sistema
Único de Saúde (SUS) é um coquetel de três medicamentos que inibe o máximo
possível a reprodução do vírus no corpo, enquanto mantém o sistema imunológico
atuante e protege contra infecções oportunistas.
O HIV, no entanto, não é completamente eliminado do
organismo, e pode voltar.
A equipe de pesquisadores brasileiros fez uma combinação de
medicamentos já utilizados em todo o mundo com mais duas substâncias ainda não
usadas neste tipo de tratamento e vacinas personalizadas, feitas com base no
DNA de cada participante.
"É a primeira vez no mundo que alguém experimenta esse
tratamento específico que fizemos, e a primeira vez que temos resultados tão
positivos na primeira etapa. Estamos dando mais um passo na direção da
cura", afirmou Diaz à BBC News Brasil.
Em 2015, um estudo dinamarquês combinou um medicamento usado
no tratamento de câncer com o coquetel antirretroviral e uma vacina baseada em
DNA e conseguiu eliminar os reservatórios do vírus HIV no organismo de
pacientes por alguns meses.
Desde então, outros testes do tipo têm sido feitos na
Espanha, na Grã-Bretanha, na Noruega, na Alemanha e na Itália, e começam a
ocorrer nos Estados Unidos.
A primeira etapa do estudo de Diaz - feito com 30 pessoas -
foi finalizada. Apenas cinco delas receberam a combinação completa de
tratamentos, e entre elas, duas parecem estar livre do vírus, de acordo com os
exames. Este grupo deve ser expandido para pelo menos 50 pessoas até o fim do
ano.
Qual o objetivo do novo tratamento?
O tratamento proposto pelos pesquisadores brasileiros quer
chegar à "cura esterilizante", que é a eliminação completa do vírus,
sem a possibilidade de que ele volte a se replicar - algo que atualmente pode
ocorrer se o soropositivo para de tomar o coquetel.
"Atualmente, nós tratamos a pessoa, o vírus morre,
paramos de tratar, e o vírus volta. Isso ocorre porque o vírus continua se
multiplicando no corpo da pessoa mesmo com o tratamento eficiente",
explica o infectologista
De acordo com Diaz, a cura total de pacientes com HIV
enfrenta três grandes obstáculos - o fato de que o vírus continua se replicando
no corpo mesmo com o coquetel, que apenas mantém essa replicação baixa; o fato
de que o vírus fica latente, ou seja, "adormecido", e pode voltar à
atividade de maneira aleatória; e a existência dos "santuários",
locais do corpo humano onde os medicamentos são pouco distribuídos e o HIV pode
continuar se desenvolvendo.
"O que fizemos foi combinar tratamentos que pudessem
superar todas estas barreiras", afirma.
Como funcionaram os testes
O estudo foi feito inicialmente em 30 pacientes, divididos
em grupos de cinco pessoas. Cada um deles experimentou uma combinação
diferente, e o último grupo usou todos os tratamentos em conjunto.
Além do coquetel antirretroviral, eles usaram a
nicotinamida, ou vitamina B3, um suplemento alimentar que é vendido em
farmácias, mas nunca foi usado contra o vírus HIV. Ele "acorda" as
células com o vírus latente no corpo.
A pesquisa usou também o sal de ouro, medicação usada para
tratar doenças como artrite que não chega a despertar as células com HIV, mas
as leva a um "suicídio", explica Diaz.
E, para eliminar os "santuários" de vírus no
organismo dos pacientes, os pesquisadores desenvolveram, em parceria com a
Universidade de São Paulo (USP), uma complexa vacina personalizada, que faz com
que o sistema imunológico volte a reconhecer o vírus dentro do corpo, encontre
esses santuários e mate o vírus.
"Desenhamos, de acordo com o perfil genético da pessoa,
o pedacinho do vírus que seria importante pra despertar o seu sistema
imunológico", diz o infectologista.
Nas cinco pessoas do grupo 6, que fizeram o tratamento
completo, a quantidade de vírus diminuiu mais do que em todas as outras. E em
duas delas, o vírus sumiu completamente das células.
"Agora estamos estudando como fazer a interrupção desse
tratamento, para ver se elas permanecem sem o vírus por mais tempo. Depois,
vamos expandir o estudo."
A cura do HIV está próxima?
O primeiro homem considerado curado do HIV no mundo, o
americano Timothy Ray Brown, foi declarado livre do vírus em 2006 após receber
a medula óssea de um doador com uma mutação genética rara, que o tornava imune
ao vírus.
Brown precisou do transplante porque ele tinha leucemia. Em
2008, a doença voltou e ele teve que fazer um segundo transplante de medula. No
entanto, continuou completamente livre do HIV.
Mas, segundo os especialistas, isso não quer dizer que um
transplante de medula resolveria os casos de todas as pessoas que são
soropositivas no mundo - cerca de 37 milhões em 2017, segundo a ONU.
"Timothy Brown é um caso raro e bastante específico,
porque ele teve a sorte de encontrar um doador de medula com uma mutação
genética raríssima que faz com que as células de defesa do corpo não tenham um
receptor que pode se ligar ao vírus HIV", explica Melissa Medeiros.
"Mas esse tipo de transplante tem um índice de 50% de
mortalidade. Não é uma opção terapêutica para todas as pessoas que têm
HIV."
Por isso, nos últimos anos, cientistas de todo o mundo têm
investido em pesquisas como a feita por Diaz, em que pessoas que já estão em
tratamento para controlar o vírus recebem medicamentos extra e uma vacina
específica.
"Ser portador do HIV é viver em silêncio, porque as
pessoas sentem que não podem contar para a família nem para os amigos, vivem
com medo de novos relacionamentos, de como a sociedade vai aceitá-los no
trabalho, etc. A cura ainda pode demorar um pouco, mas é realmente
essencial", diz Melissa Medeiros.
Necessidade de investimento na prevenção da Aids
Mas, para a epidemiologista Lígia Kerr, que produz estudos
sobre HIV para o Ministério da Saúde, é preciso mais do que um tratamento
médico para resolver o problema da Aids no mundo.
"Os avanços tecnológicos no tratamento e na cura da
Aids são muito bem vindos, mas não são somente eles que vão controlar a
situação. Se você tem um tratamento super caro e governos que não estão mais
querendo investir na saúde, fica difícil", disse à BBC News Brasil.
É necessário, segundo Kerr, um pacote que inclua prevenção,
educação sexual, campanhas com populações mais vulneráveis e tratamento médico,
para impedir que o vírus circule.
"Alguns pesquisadores como eu não acreditam nesta cura
total da Aids, porque alcançar isto não envolve só medicação, mas
comportamento, comprometimento com o outro, uso do preservativo, investimento
dos governos", diz.
"Tentamos eliminar completamente outras doenças há anos
e não conseguirmos. Por exemplo, a hanseníase. É uma doença tratável, mas, se
você não tratar todo mundo, não tem jeito. Você ainda terá o bacilo infectando
outras pessoas."
Se for bem-sucedido, o tratamento para curar o HIV seria
muito caro?
Diaz afirma que uma vacina personalizada para cada paciente
soropositivo no Brasil - e no mundo - seria muito custosa, ainda que ele não
tenha uma estimativa real do valor gasto em sua pesquisa até agora. Mesmo
assim, ele se diz otimista.
"Há outras coisas na saúde que são caras, mas, quando
viram praxe, são feitas mais rapidamente. Temos vários exemplos disso na
medicina."
Para Melissa Medeiros, o alto custo do tratamento poderia
ser compensado em sua escala de produção, caso os resultados finais da pesquisa
signifiquem, de fato, uma cura definitiva.
"Hoje o governo já comprou algumas batalhas como essa,
como a da Hepatite C. O tratamento cura quase que 100% das pessoas, e não é
barato. Custa em torno de R$ 100 mil a R$ 300 mil por paciente, mas o
Ministério fornece gratuitamente."
A polêmica do estudo feito somente com homens
Para fazer parte do estudo da Unifesp, era necessário que os
soropositivos fossem todos maiores de 18 anos e do sexo masculino, o que
significa que os pesquisadores ainda não sabem como o tratamento pode funcionar
em mulheres. Por essa razão, Diaz admite que foi "muito criticado".
"Não é uma coisa correta fazer essa discriminação.
Temos que investigar para todos os indivíduos. Mas tive uma intuição de que,
nesse momento, seria mais seguro fazer só com homens", diz.
"Achei que para alguns medicamentos poderia haver mais
efeitos colaterais nas mulheres. Mulheres às vezes engravidam e não sabíamos o
que essa combinação poderia fazer. Mas já está no plano incluir mulheres na
próxima etapa. Como vimos que a associação de medicamentos não causou mal
detectável, então ficamos mais seguros."
Segundo o infectologista, tratamentos experimentais contra o
vírus HIV geralmente têm 75% de pacientes homens e 25% de mulheres, que
costumam ser infectadas em menor número.
No entanto, seu estudo deve obedecer a nova diretriz na
comunidade científica de ter o mesmo número de mulheres e homens.
Via | BBC
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