As “maçãs podres” do sistema imunológico também são sua arma
secreta, de acordo uma importante nova pesquisa. Os cientistas revelaram como
uma população de “maus” anticorpos no sistema imunológico — que geralmente são
“silenciados” porque podem prejudicar o corpo — pode fornecer proteção crucial
contra micróbios invasores.
As “maçãs podres” do sistema imunológico também são sua arma
secreta, de acordo com uma importante pesquisa australiana publicada hoje na
Science1 por institutos do Instituto Garvan de Pesquisa Médica de Sydney.
Na pesquisa, realizada em camundongos, eles revelaram como
uma população de “maus” anticorpos no sistema imunológico — que geralmente são
“silenciados” porque podem prejudicar o corpo — pode fornecer proteção crucial
contra micróbios invasores.
Os “maus” anticorpos são conhecidos por reagirem contra os
próprios tecidos do corpo e podem causar doenças auto-imunes. Por esta razão,
pensava-se que eles haviam sido descartados pelo sistema imunológico ou que
ficaram inativos a longo prazo. No entanto, as novas descobertas mostram pela
primeira vez que os anticorpos “ruins” passam por um processo rápido de
“resgate” e são ativados quando o corpo enfrenta uma ameaça de doença que outros
anticorpos não conseguem atacar.
Como resultado, os “remidos” anticorpos não mais ameaçam o
corpo, mas tornam-se armas poderosas para combater doenças, e particularmente
doenças que evitam o sistema imunológico, disfarçando-se para parecerem com tecidos
normais do corpo.
O Professor Chris Goodnow, que liderou a nova pesquisa com o
Professor Associado Daniel Christ (ambos da Divisão de Imunologia da Garvan),
diz que as novas descobertas vão mudar fundamentalmente o pensamento sobre como
o sistema imunológico nos protege.
“A partir dessas novas descobertas, agora sabemos que todo
anticorpo é precioso quando se trata de combater micro-organismos invasores; e
esse novo entendimento significa que os anticorpos ‘ruins’ são um recurso
valioso para o desenvolvimento de vacinas contra o HIV e para outras doenças
que vão disfarçadas no corpo”.
Este estudo foi possível graças à generosidade da Fundação
Bill e Patricia Ritchie, e através do financiamento do Conselho Nacional de
Saúde e Pesquisa Médica da Austrália.
Realizando a tarefa mais difícil do sistema imunológico
A nova pesquisa parece resolver um mistério que tem
intrigado os cientistas por décadas: como o sistema imunológico ataca micróbios
invasores que parecem quase idênticos às moléculas do próprio corpo, sem montar
um ataque ao corpo ao mesmo tempo?
Campylobacter (bactérias gram-negativas, espirais e
microaerofílicas), HIV e outros são alvos particularmente problemáticos para o
sistema imunológico porque evoluíram para parecer quase idênticos às próprias
moléculas do corpo; eles são “lobos em pele de ovelha”. Isso dificulta o ataque
do sistema imunológico, porque sistematicamente evita o uso de anticorpos que
podem atacar a si próprio.
Para entender como o sistema imunológico reconhece esses
‘lobos em pele de cordeiro’, os cientistas do Instituto Garvan se concentraram
em um misterioso exército de células imunes na corrente sanguínea.
Anticorpos “ruins” estão escondidos dentro de células B
silenciadas
O exército de células silenciadas contém milhões de células
imunes conhecidas como células B, que produzem anticorpos para combater
doenças. Ao contrário de outras células B, porém, as células deste exército
representam um perigo para o corpo. Isso porque eles podem produzir anticorpos
“ruins”, que podem atacar ao próprio sistema imunológico e causar doenças
auto-imunes. Por esta razão, eles são mantidos em um estado silenciado a longo
prazo (conhecido como anergia).
O professor Chris Goodnow descobriu há 30 anos as células
silenciadas — e tem trabalhado para entender sua função desde então.
“A grande questão sobre essas células tem sido por que elas
estão lá, e em números tão grandes”, diz o professor Goodnow. “Por que o corpo
mantém essas células, cujos anticorpos representam um risco real para a saúde,
em vez de destruí-las completamente, como pensávamos antes?”
As novas descobertas parecem responder a essa pergunta,
mostrando que as células selecionadas do exército podem ser reativadas para
combater os invasores, mas apenas quando os seus “maus” anticorpos são
“reaceitos”.
“Nós mostramos que essas células silenciadas têm um
propósito crucial”, diz Deborah Burnett, aluna de doutorado na Garvan, cujo
trabalho é a base do estudo. “Longe de entupir o sistema imunológico sem uma
boa razão, elas estão fornecendo armas — as maçãs podres se tornando boas —
para combater os invasores com as táticas “lobo em pele de cordeiro”, os quais
se tornaram quase impossível de serem combatidos por outras células do sistema
imunológico”.
No nível atômico, uma “covinha” faz a diferença
Em experimentos realizados no Síncrotron Australiano, a
equipe de pesquisa mostrou como três mudanças no DNA reorganizam as pontas do
anticorpo de formas definidas, de modo que ele se torna muito melhor em
reconhecer a molécula estranha e pior em reconhecer “a si”. Em particular, o
anticorpo resgatado se encaixa perfeitamente em torno de uma “covinha” em
nanoescala que está presente na molécula estranha, mas está ausente em si
mesmo.
“Esta pesquisa nos levou a uma jornada emocionante”, diz o
Professor Christ. “Não apenas descobrimos um novo tipo de imunidade, mas também
conseguimos confirmar com precisão como um anticorpo ruim pode ser recuperado”.
“Crucialmente, esses anticorpos remidos não são de forma
alguma um recuo. De fato, nossas descobertas mostram o contrário — que
anticorpos obtidos por ajustes nos anticorpos ‘ruins’ podem ser ainda melhores
que aqueles desenvolvidos através de vias já estabelecidas.”
Em direção a melhores vacinas
Nossas descobertas indicam que existe uma classe inteira de
células B — as células B silenciadas — que podem ser acessíveis para o
desenvolvimento de vacinas, e que até agora ignoramos amplamente, afirma o
Prof. Christ.
O Dr. Burnett acrescenta: “Esperamos que, em vez de ignorar
esta população de células B silenciadas, os pesquisadores considere no futuro
direcionar essas células quando estiverem desenvolvendo vacinas,
particularmente contra alvos como o HIV, que se disfarçam como legítmos”.
Referência:
Deborah L. Burnett, David B. Langley, Peter Schofield, Jana
R. Hermes, Tyani D. Chan, Jennifer Jackson, Katherine Bourne, Joanne H. Reed,
Kate Patterson, Benjamin T. Porebski, Robert Brink, Daniel Christ, Christopher
C. Goodnow. Germinal center antibody mutation trajectories are determined by
rapid self/foreign discrimination. Science, 2018; 360 (6385): 223 DOI:
10.1126/science.aao3859
Via | socientifica
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