Foto: Paul Hughes |
Mal dá para perceber a pequena elevação nas costas da mão de
Dave Williams - a maioria das pessoas não veria de primeira o calombo do
tamanho de um grão de arroz entre seu dedão e o indicador.
Apenas quando o homem de 33 anos abre a porta de sua casa
com um gesto ondulatório com a mão fica claro que há algo estranho.
Sob a pele de Williams há um implante de microchip - um
circuito eletrônico dentro de uma cápsula de vidro em formato de pílula - que
pode ser usado da mesma forma que um cartão de crédito sem contato.
Engenheiro de sistemas na empresa de software Mozilla, ele é
um entre os cada vez mais numerosos "biohackers" que querem dar um
reforço tecnológico ao corpo. No seu caso, a decisão de implantar um chip de
identificação de frequência de rádio (RFID, na sigla em inglês) foi movida por
curiosidade.
O procedimento basicamente fez de Williams um cartão
inteligente ambulante. Ao registrar sua identificação em uma série de
dispositivos, ele pode usar o microchip para desempenhar algumas funções, como
transferir seus contatos para o celular de um amigo.
"Eu tenho a pior memória do mundo", diz o
engenheiro. O fato de agora ter em si em tempo integral um dispositivo que abre
portas e destrava seu computador - algo que ele não pode esquecer em casa - é
uma grande vantagem. "Também é divertido dar o meu número de telefone e
endereço de email a alguém simplesmente tocando em seu celular."
Esse nível de conveniência é um dos grandes atrativos para
instalar implantes RFID, e o número de pessoas experimentando esses dispositivos
está crescendo.
Um fabricante de chips chamado Dangerous Things afirmou ao
canal americano CNBC no ano passado que havia vendido mais de 10 mil deles,
além dos kits necessários para colocá-los sob a pele.
Mas, conforme eles se espalham, também crescem as
preocupações sobre o que a moda pode significar em termos de privacidade e
segurança.
Chip no trabalho
A empresa de máquinas de venda de bilhetes Three Square
Market, baseada em River Falls (EUA), acabou de anunciar que está oferecendo
implantes nas mãos de seus funcionários.
A companhia diz que um chip de US$ 300 (R$ 943) permitirá
que os trabalhadores abram portas, acessem os computadores e até comprem comida
na cantina. Cinquenta funcionários já se cadastraram para receber o implante.
E eles não são os únicos. A empresa de vídeos de segurança
CityWatcher, baseada em Cincinnati (EUA), colocou os dispositivos sob a pele de
dois funcionários em 2006 e a incubadora de tecnologia EpiCentre disse que
ofereceria os chips a seus integrantes em Estocolmo, na Suécia, neste ano.
A BioHax Internation, empresa que produz os chips para a
Three Square Market, afirma que dezenas de outras companhias ao redor do mundo
- incluindo algumas multinacionais - querem implementar planos parecidos em
seus locais de trabalho.
A moda causou alarme sobre a possibilidade desses implantes
sem fio serem usados para vigiar os empregados ao acompanhar seus movimentos.
Grupos de liberdades civis alertam que os dispositivos podem ainda ser usados
para invadir a privacidade de outras maneiras.
Muitos dos que já trabalham com os chips, porém, dão de
ombros.
Novidade?
"É muito fácil pegar esse tipo de informação sobre
alguém sem um implante", diz Kevin Warwick, um professor de cibernética e
vice-reitor da Universidade de Coventry (Reino Unido), que se tornou uma das
primeiras pessoas do mundo a ter um chip RFID implantado em seu antebraço -
isso em 1998.
A tecnologia RFID já está aplicada a carregamentos, bagagens
de aviões e produtos em lojas. É usada em animais de estimação. Muitos de nós a
carregamos conosco o dia inteiro em nossas carteiras: a maioria dos celulares
modernos têm RFID, assim como cartões sem contato, muitos cartões de transporte
metropolitano e passaportes eletrônicos.
Ter essa tecnologia em nossos bolsos e sob a nossa pele não
é um salto tão grande. "O ponto principal é que deveria ser uma escolha
individual", diz Warwick. "Se uma companhia lhe disser que só lhe
dará o emprego se você tiver o implante, isso levanta questões éticas."
Também vale lembrar que quase todos nós carregamos um
dispositivo que envia muito mais informações sobre nossos movimentos e
comportamentos diários a companhias como Google, Apple e Facebook - de uma
maneira que um implante RFID jamais poderia fazer.
"Celulares são muito mais perigosos para a nossa
privacidade", diz Pawel Rotter, uma engenheira biomédica da Universidade
de Ciência e Tecnologia AGH, na Cracóvia (Polônia). "Se forem hackeados,
os celulares podem virar o espião perfeito com microfones, câmeras e GPS.
Comparado a ele, os riscos de privacidade da RFID são muito pequenos."
Dave Williams não se preocupa com as questões de vigilância
do chip em sua mão, já que ele só pode ser ativado a poucos centímetros de um
leitor. "Ter medo de uma perseguição estilo GPS é basicamente ficção
científica neste momento", afirma. Williams também gosta de enfatizar que
o procedimento de implantação não é tão terrível, como alguns podem imaginar.
Williams instalou o chip sozinho usando muito iodo, para
deixar tudo esterilizado. "Quase não senti dor", diz ele. "Tirar
a identificação será um pouco mais difícil, mas não dá tanto trabalho com um
bisturi e um par de pinças."
Vulneráveis a vírus
As preocupações sobre invasões de segurança não devem ser
descartadas tão facilmente, porém. Os chips RFID só carregam 1 kilobyte de
dados, mas são vulneráveis a vírus, segundo o pesquisador de sistemas de
engenharia da Universidade de Reading (Reino Unido) Mark Gasson.
Gasson implantou um RFID em sua mão esquerda em 2009. Um ano
depois, o modificou para que ele espalhasse um vírus de computador. O
experimento fez o upload de um site de internet no computador conectado ao
leitor, o que permitiria o download de vírus caso estivesse online.
"Foi uma experiência muito transgressora", disse
Gasson. "Eu me tornei um perigo para os sistemas dos prédios."
É claro que cartões de entrada de ambientes de trabalho
também podem ser hackeados, mas ter um implante de RFID pode ser muito
conveniente - como o fato de não poder esquecê-lo em casa ou perdê-lo - e
também trazer problemas. Quando um dispositivo subcutâneo dá errado, a
experiência pode ser devastadora.
"A tecnologia implantável não pode ser facilmente
removível ou desligada nesse caso", diz Gasson. "Eu sinto como se o
implante fosse parte do meu corpo, então há uma sensação real de impotência
quando algo não está certo".
Via | BBCBRASIL
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