No auge dos carros flex, em 2008, o Brasil foi apontado como
a futura superpotência da energia alternativa, a Arábia Saudita verde. Mas a
cana vai além do álcool do posto (e do açúcar, da cachaça...)
(iStock | oasistrek) |
Álcool de palha
No Brasil, o etanol comum é obtido a partir do caldo da
cana-de-açúcar. Essa produção gera resíduos, como bagaço e palha, que raramente
são aproveitados. Isso pode mudar com o chamado etanol de segunda geração.
Etanol 2G é aquele feito de açúcares extraídos da celulose da planta. Ou seja,
ele pode ter diversas fontes, como madeira e sorgo, ou a palha e o bagaço da
cana. A qualidade é a mesma do álcool comum, mas com vantagens para o produtor:
a mesma área plantada pode render até 50% mais combustível. “Você não precisa
plantar mais para ter mais etanol”, diz Robson Freitas, diretor de novas
tecnologias do Centro de Tecnologia Canavieira (CTC). A novidade deve chegar
aos postos em 2015, prevê a empresa GranBio. A meta da companhia é inaugurar
uma usina 2G por ano até 2020. “A capacidade de produção hoje é de 82 milhões
de litros por ano. Queremos chegar a 1 bilhão”, diz Alan Hiltner,
vice-presidente da GranBio.
Mas o custo de produção do etanol 2G é 30% maior, porque uma
enzima necessária na fabricação é importada. Isso não deve durar muito: o preço
da enzima caiu 78% entre 2008 e 2012. “A produção é viável economicamente”, diz
Hiltner. “O custo deve cair à medida que a produção ganhe escala comercial.”
50% a mais de combustível um canavial pode produzir ao
adotar o etanol 2G
Bagaço elétrico
(iStock | Magone) |
Maior produtor mundial de açúcar, o Brasil gera, todo ano,
140 milhões de toneladas de bagaço de cana. Essa montanha de resíduos tem um
potencial energético enorme. Mas, para isso virar biomassa, ou seja, matéria
orgânica que gera energia, as usinas de cana precisam se adequar – e isso é
caro: em média, R$ 120 milhões para trocar turbinas, geradores e caldeiras,
entre outros custos. Por isso, só 170 das 389 usinas produzem energia para a
rede elétrica – o que já ajuda, mas ainda é pouco.
Em janeiro, por exemplo, o nível dos reservatórios de água
ficou muito baixo, e termelétricas precisaram ser acionadas. Só que elas funcionam
a diesel, o que aumentou a importação do combustível em 40%. Um custo que podia
ser evitado.
Se todas as usinas de cana do País produzissem energia, o
Brasil poderia gerar cerca de 22,1 mil MWm (medida que calcula eletricidade
gerada num período de tempo). É o equivalente a duas usinas de Itaipu, diz
Zilmar de Souza, gerente de bioeletricidade da União das Indústrias de
Cana-de-Açúcar (Única) e professor da Fundação Getúlio Vargas. Em ano de pouca
chuva e risco de apagão, a bioeletricidade da cana pode ser uma alternativa
viável. “Não estaríamos tão dependentes de térmicas caras e poluentes”, diz
Souza.
Como transformar bagaço em energia
1. O caldo da cana gera açúcar e etanol. O bagaço e a palha
alimentam as caldeiras da usina.
2. As caldeiras geram vapor, que movimenta turbinas de
geração de energia elétrica.
3. Parte dessa energia é usada para abastecer a própria
usina.
4. A outra parte é vendida para o sistema elétrico nacional,
por meio de leilões. E mais: essa mesma usina ainda pode fabricar etanol 2G.
(iStock | UroshPetrovic) |
Plástico verde
Ele está em frascos, embalagens, sacolas, baldes, telhas,
chinelos, caixas d¿água, caiaques, brinquedos, placas de sinalização e até nos
assentos do camarote do Estádio do Morumbi, em São Paulo. O polietileno verde,
plástico feito a partir do etanol da cana, é uma alternativa ao polietileno
derivado do petróleo. No Brasil, a pioneira foi a água Crystal, da Coca-Cola,
que em 2010 lançou uma garrafa com 30% de origem vegetal. Paulo Villas, gerente
de embalagens da Coca, diz que agora a empresa cogita usar também bagaço de
cana para fazer garrafinhas verdes.
Mas não é só a cana que gera plástico. Outras fontes
vegetais, como milho e trigo, também. A diferença é que é a produção usando
cana é mais barata, diz Antônio Morschbacker, diretor de tecnologias renováveis
da Braskem. A fábrica da empresa em Triunfo (RS) faz 200 mil toneladas de
plástico verde por ano.
Empresas que já usam
Electrolux – Lavadora de roupa
Estrela – Banco Imobiliário
Tetra Pak – Embalagens cartonadas
Faber-Castell – Estojos ecológicos
Álcool ou diesel?
São Paulo tem 400 ônibus rodando com 10% de diesel de cana
misturados ao diesel convencional. O Rio tem 20 veículos do tipo, com 30% de
diesel de cana. Diferente do álcool comum, esse combustível é obtido com
leveduras transgênicas, que geram um óleo em vez de etanol.
O diesel de cana que abastece as frotas é produzido pela
empresa de biotecnologia americana Amyris. Segundo Adilson Liebsch, diretor
comercial da companhia no Brasil, não é preciso fazer nenhuma adaptação no
veículo para usar o diesel de cana. “Não há diferença no desempenho nem no
consumo”, garante.
Além do diesel, a cana também contribui com etanol para os
ônibus. Desde 2012, São Paulo tem 60 veículos do tipo. Segundo Suani Coelho,
coordenadora do Centro Nacional de Referência em Biomassa (Cenbio), da USP, o
etanol emite 80% menos CO2. A diferença é tanta que, se a frota de 15 mil
ônibus de São Paulo fosse substituída por veículos a etanol, a poluição gerada
equivaleria à de 3 mil coletivos. Isso reflete na saúde. Um estudo da USP
revela que a troca de diesel por etanol representaria uma economia de cerca de
R$ 300 milhões por ano em custos médicos, afastamento do trabalho e morte
prematura.
O problema é que o ônibus a etanol é cerca de R$ 40 mil mais
caro que o modelo a diesel. Por isso, o diesel de cana leva vantagem, já que
dispensa adaptações. São Paulo planeja substituir, até 2018, toda a matriz
energética de sua frota por combustíveis renováveis. E o diesel da cana deve
chegar às bombas dos postos até 2016.
80% menos CO2 é o que um ônibus a etanol emite em relação a
um a diesel
(iStock | narvikk) |
Jato de cana
O Ipanema é a primeira aeronave do mundo a usar etanol. Ele
é fabricado pela Indústria Aeronáutica Neiva, subsidiária da Embraer, e é líder
no mercado de aviação agrícola no Brasil. Em nove anos pulverizando plantações
e espalhando sementes, o Ipanema evitou a emissão de 20 toneladas de CO2 na
atmosfera.
Por enquanto, o etanol só pode ser usado em aviões pequenos.
“Ele tem poder energético menor que o querosene de aviação”, explica Mauro
Kern, vice-presidente de Engenharia da Embraer. “Isso reduz a capacidade de
alcance da aeronave, que não voa a grandes altitudes e limita seu uso em rotas
longas.” Segundo Kern, para ser usado na aviação comercial, o biocombustível
deve ter as mesmas especificações técnicas que o combustível tradicional, sem
que seja preciso mexer nos aviões – assim como já acontece com o diesel de cana
nos ônibus.
Com isso, a Embraer quer substituir o querosene, derivado do
petróleo, pelo bioquerosene, feito a partir de fontes renováveis. O uso de
combustível verde na aviação brasileira já acontece em caráter experimental. No
primeiro voo-teste, em 2012, um Embraer 195 da Azul voou com uma mistura de 50%
de bioquerosene da cana.
Mas, de novo, existe o problema do preço. “O bioquerosene
ainda é até quatro vezes mais caro porque é produzido em escala reduzida. A
expectativa é que, com o passar do tempo, o preço se torne mais competitivo”,
acredita Adilson Liebsch, da Amyris, que produziu o bioquerosene usado no voo
da Azul.
Cinza-concreto
Em uma usina, cada tonelada de cana produz cerca de 175
quilos de açúcar, 80 litros de etanol, 800 litros de vinhaça e 250 quilos de
bagaço. O açúcar vai para o mercado, etanol vira biocombustível, vinhaça é
fertilizante e bagaço vira energia (já a produção de cachaça é um processo
diferente). Sobram 25 quilos de cinzas, que geralmente vão para aterros sanitários.
Em vez disso, elas poderiam ser usadas como substitutas da areia na fabricação
de concreto e argamassa. Quem garante é o engenheiro Almir Sales, da
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). “O concreto feito com cinza é 15%
mais resistente do que o produzido com areia”, diz. A técnica reduz o impacto
ambiental no leito dos rios, de onde é extraída a areia empregada na construção
civil. Mas isso ainda está em fase de pesquisa. Faltam testes para simular o
desgaste do concreto em condições naturais e verificar se o material é capaz de
evitar a corrosão das estruturas de aço. A ideia é que o concreto ecológico
seja usado em calçadas, bancos e sarjetas.
(iStock | LeszekCzerwonka) |
Nova caninha
A fórmula básica da cerveja (água, malte, lúpulo e levedura)
ganhou um companheiro na Wäls, de Belo Horizonte. Tiago e José Felipe Carneiro,
donos da cervejaria, criaram a Saison de Caipira, primeira cerveja do mundo com
caldo de cana. “A cervejaria artesanal do País pode ter bons produtos com
ingredientes típicos”, diz Tiago. No primeiro lote, de 2 mil litros, 700 quilos
de cana foram usados. A ideia é aumentar a produção e exportar para os Estados
Unidos.
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