No verão de 2010, Ryan Clark torceu o tornozelo durante uma
aula de educação física. Foi doloroso, mas o grande problema foi a
inconveniência da situação. Ele usou muletas por uma semana e seu tornozelo
sarou. Então, seis semanas depois, a dor voltou, mas dessa vez estava muito
pior. Ryan acabou em uma cadeira de rodas, incapaz de suportar a agonia que era
andar naquelas condições. Remédios e reabilitação ajudaram e, cerca de seis
semanas depois, ele se recuperou. Mas ele se machucou novamente, e depois se
feriu mais uma vez, e a cada pequeno acidente a dor evoluía para algo terrível
e insuportável. “Eram apenas machucados normais para alguém de nove anos de
idade”, diz o pai de Ryan, Vince, “mas para ele eram um suplício. Além da dor,
ele começou a ter tremores. Seus músculos travavam. Ele passou a ter espasmos
no corpo inteiro e tudo o que ele podia fazer era se deitar no chão, enrolado
como um gato”.
Ryan acabou sendo diagnosticado com síndrome complexa de dor
regional, uma doença que afeta uma em um milhão de crianças da idade dele.
Vince Clark, que dirige o Centro de Psicologia Clínica e Neurociência da
Universidade do Novo México, em Albuquerque, mergulhou nos estudos para
compreender a síndrome e encontrar formas de ajudar Ryan. Analgésicos
tradicionais não traziam alívio, então Clark começou a pensar naquilo que ele
vinha pesquisando em seu laboratório, a chamada estimulação transcraniana por
corrente contínua (ETCC), que envolve a aplicação de leves correntes elétricas
na cabeça.
O ETCC pertence a um grupo de técnicas que, por não
envolverem cirurgia, são conhecidas como “estimulação cerebral não invasiva”.
Ainda é uma técnica experimental, mas em 2010 já havia revelado seu potencial
não apenas para aliviar a dor, mas também para impulsionar o funcionamento do
cérebro e melhorar a memória e a capacidade de atenção em pessoas saudáveis. O
Departamento de Defesa dos Estados Unidos (DoD) imaginou que isso poderia
beneficiar os militares. Na mesma época que Ryan ficou doente, Clark tinha
liderado estudos, financiados pelo DoD, que exploravam a estimulação elétrica
do cérebro, e produziu resultados notavelmente bons.
Royal
College of Surgeons, Londres, janeiro de 1803. Uma plateia assiste com
expectativa ao rebelde cientista italiano Giovanni Aldini caminhando a passos
largos para a sala. Mais alguém está sendo exibido na frente deles: o corpo de
George Foster, um assassino condenado, que fora enforcado mais cedo na prisão
Newgate. Usando uma bateria primitiva e conectando bielas, Aldini aplicou uma corrente
elétrica no cadáver. Para a surpresa dos espectadores, ele se contorceu e se
sacudiu. Em resposta ao estímulo retal, um de seus punhos pareceu dar um soco
no ar.
Clark me contou que Aldini estava fascinado pelos efeitos da
eletricidade tanto no corpo quanto na mente. Depois de alegar ter curado um
fazendeiro deprimido de 27 anos usando estimulação elétrica, Aldini tentou
usá-la em pacientes com “loucura melancólica” no Sant’Orsola Hospital, em
Bolonha. Ele não conseguiu sucesso completo, em parte porque os pacientes
ficaram apavorados com os equipamentos do cientista.
Os experimentos de Aldini com eletricidade foram o começo de
um longo e lendário episódio na história da psiquiatria. A
eletroconvulsoterapia, que exige correntes fortes o bastante para causar
convulsões, foi introduzida no final dos anos 1930. Mas com o surgimento de
novos tratamentos efetivos usando remédios, além da crítica pública em livros
como Um Estranho no Ninho, de Ken Kesey, as terapias elétricas caíram em
desuso. “Em algum ponto, nossa cultura ficou preocupada com a eletricidade e
seus efeitos”, diz Clark. “Era algo assustador. Há uma ansiedade geral acerca
do assunto, e as pessoas não estão dispostas a olhar para ele de uma forma
calma, racional”.
Clark fica animado ao recontar a ascensão, queda e
subsequente reascensão da estimulação elétrica do cérebro. Enquanto o uso da
eletricidade em humanos era vista com desaprovação, neurocientistas ainda
estudavam seus efeitos em animais. “Vários dos meus professores da
pós-graduação tinham brincado com os efeitos da eletricidade em tecidos vivos”,
conta Clark. Nos anos 1960, cientistas descobriram que o ETCC, que envolve correntes
até mil vezes mais fracas do que aquelas usadas na eletroconvulsoterapia,
poderia afetar a excitabilidade das células do cérebro e ajudar em casos de
depressão severa. Mas remédios ainda pareciam mais promissores nos tratamentos
psiquiátricos, e o ETCC foi abandonado.
Mas nos anos 1980, a terapia de eletrochoque ressurgiu.
Ficou claro que ela poderia ajudar a tratar alguns pacientes com depressão
severa, para quem as drogas não tinham efeito. Nessa mesma época estava
crescendo o interesse em uma técnica chamada estimulação magnética
transcraniana repetitiva (EMTr). Um paciente passando por EMTr se senta, sem se
mexer, enquanto uma varinha erguida acima de seu crânio gera um campo magnético
que penetra o cérebro. Isso pode aliviar a depressão e ajudar na reabilitação
após um derrame ou ferimento na cabeça.
Em 2000, Michael Nitsche e Walter Paulus da Universidade de
Göttingen, na Alemanha, relataram que o ETCC pode alterar a reposta de alguém a
estímulos magnéticos. Enquanto o EMTr acende à força as células do cérebro, o
ETCC “prepara a bomba”, tornando mais provável que as células do cérebro
acendam como resposta a estímulos, conforme descreve Michael Weisend, um antigo
colega de Clark.
Os estudos da Göttingen reacenderam o interesse dos
neurocientistas pelo ETCC. Mas o que gerou comentários foram as descobertas
acidentais de que o ETCC poderia mudar o funcionamento do cérebro não apenas
nos pacientes, mas também em pessoas saudáveis, que haviam sido incluídas nos
testes apenas para fins de comparação. Esse trabalho foi de grande influência,
diz Clark. Os pesquisadores começaram a investigar o potencial do ETCC para
impulsionar cérebros saudáveis e os resultados mostraram que a técnica poderia
aumentar a capacidade de aprendizado e a memória. Outras equipes se
voltaram para o uso do ETCC no tratamento da dor. Como muitos de seus colegas,
Clark achou isso fascinante.
Depois de um pós-doutorado no Instituto Nacional de Saúde
Mental dos EUA, trabalhando parte do tempo no EMTr, Clark se mudou para
Albuquerque, em uma nomeação conjunta da Universidade do Novo México e da Rede
de Pesquisas da Mente (MRN), um instituto de pesquisa sem fins lucrativos. O
trabalho do cientistas focava em imagiologia cerebral e esquizofrenia. Em 2006,
ele foi promovido a diretor científico da MRN. Clark estava ansioso para
trabalhar com ETCC, mas também precisava livrar o MRN de suas dificuldades
financeiras. O instituto estava gastando demais. “Nós estávamos em um buraco
negro financeiro”, ele diz. “Precisávamos de muito dinheiro, e rápido”.
Por volta dessa época, a Defense Advanced Research Projects
Agency (DARPA), a parte do DoD responsável pelo desenvolvimento de novas
tecnologias para uso militar, fez uma chamada para propostas de pesquisa em uma
área que apelidaram de “Aprendizado Acelerado”. Uma chamada genérica como essa
atrai ideias de cientistas de todos os EUA, cada um deles esperando pelos
dólares do DoD. Clark e o MRN seguiram o fluxo. “Nós montamos uma proposta para
o uso do ETCC. E ela foi financiada. E um monte de dinheiro veio rapidamente.
Um monte de gente teve seus empregos salvos”.
Está claro que, para Clark, a preservação dos empregos
trazida por esse influxo de dinheiro (que, no final, totalizou seis milhões de
dólares) ajudou a justificar o uso de fundos militares. Ele fala de forma
positiva sobre o modo como o DARPA faz negócios. “Eu realmente gosto da
filosofia deles. Eles querem promover pesquisas de ponta que são muito
arriscadas; um risco de 90% de falha é algo perfeitamente aceitável no
portfólio deles, porque os 10% que funcionam vão mudar o mundo. Nós temos sorte
de estar nesses 10%”.
Brian Coffman sorri de forma tranquilizadora, enquanto me
leva para uma pequena sala. Ele já fez ETCC muitas vezes, diz, e já administrou
em cerca de trezentas pessoas até o momento. Algumas delas relatam coceira,
calor e formigamento, mas nada sério. Raramente, alguém fica com dor de cabeça.
Coffman, um estudante de PhD que trabalha com Clark, usa
fita adesiva para prender o eletrodo cátodo não-estimulante ao meu braço esquerdo
e o ânodo, que fornece a corrente, à lateral da minha cabeça, entre minha
orelha e meu olho. Esse posicionamento é planejado para maximizar a corrente
que é levada até a região-alvo do meu cérebro. Os eletrodos estão dentro de
esponjas que foram encharcadas em água salgada condutora, então um pouco de
solução salina escorre pelo meu rosto. Eles estão conectados por fios a uma
bateria de 9 volts. Quando Coffman liga a bateria, eu sinto uma pequena faísca
em meu braço. Descarga estática, ele explica, e pede desculpas.
Quando Coffman elevou a corrente até dois miliamperes, o
nível máximo usado na maior parte dos estudos de ETCC, eu fiquei com uma
sensação de coceira no braço, mas foi só isso. Coffman se certifica de que
estou confortável, então sou colocada para fazer uma tarefa no computador. O
software se chama DARWARS, e foi serve para ajudar os recrutas do exército a se
familiarizarem com os tipos de ambiente que eles podem encontrar no Oriente
Médio. Clark e sua equipe o modificaram, adicionando alvos escondidos em metade
das 1.200 cenas estáticas. Imagens bastante cruas geradas por computador
aparecem rapidamente, mostrando blocos de apartamentos abandonados, estradas
desertas ou ruas cheias de estandes de quitandeiros. Eu tenho que apertar
botões em um teclado para indicar se na cena há ou não alguma ameaça. Às vezes,
ela é bem óbvia. Na maior parte do tempo, não. Um período de treino ajuda o
usuário a aprender o que pode ser perigoso e o que provavelmente é benigno.
Quando eu não vejo um combatente inimigo que está parcialmente escondido, então
um dos meus parceiros virtuais desce à terra e eu sou advertido verbalmente:
“Soldado, você deixou escapar uma ameaça. Você acaba de perder um membro de seu
pelotão”.
Eu não senti que a estimulação tenha me ajudado, mas depois
Coffman me disse que minha performance melhorou após a estimulação. Isso não
significa nada, cientificamente, mas eu posso pelo menos atestar que, ainda que
eu não tenha sentido minha mente mais afiada durante ou após o ETCC, eu também não
tive quaisquer efeitos negativos.
A equipe do MRN usou esse software em parte da pesquisa
financiada pelo DARPA. Primeiro, eles obtiveram imagens dos cérebros dos
voluntários, para ver quais regiões estavam ativas conforme eles aprendiam a
identificar ameaças. Então, eles aplicaram à região crítica, o córtex frontal
inferior, uma corrente direta de dois miliamperes por 30 minutos. Foi
descoberto que o estímulo cortou pela metade o tempo que levava para os
voluntários aprenderem. Isso foi uma grande surpresa, diz Clark. “A maior parte
dos estudos com ETCC não conseguem um efeito tão grande. Muitos são
questionáveis”
Essa é uma das críticas que vêm sendo feitas ao ETCC: nem
sempre os resultados são tão bons. Clark está convencido que isso é porque
muitos estudos não envolveram a obtenção de imagens dos cérebros primeiro, para
identificar as regiões que realmente precisavam de estimulação. “Muitos confiam
no senso comum de como o cérebro foi feito para ser organizado. Eu percebi, em
33 anos olhando para o cérebro, que nós ainda temos muito o que aprender”, ele
diz. Michael Weisend, que colaborou com o estudo, concorda. Ele chama o
trabalho com imagiologia de “o tempero secreto”.
A despeito dos resultados impressionantes, o feedback dos
colegas não foi unânime. E Clark estava, na época, se sentindo desconfortável
com várias coisas, sendo que a maior delas eram seus benfeitores, de onde vinha
o dinheiro que financiava a pesquisa do cientistas.
“Ela é grande. Ah, sim, é grande”, concorda Estella Holmes,
relações públicas da Força Aérea americana, que acabou de me dar uma carona de
minivan para dentro da Base de Wright-Patterson. Wright-Patt, como a base
parece ser chamada por todo mundo que conhece o lugar, é perto de Dayton, Ohio.
É a maior de todas as bases da Força Aérea americana, empregando cerca de 26
mil pessoas. Ela é rica em história. Foi nessa área que Wilbur e Orville Wright
conduziram seus experimentos pioneiros com voo. O que eles ajudaram a começar
continuou aqui, no Laboratório de Pesquisa da Força Aérea (AFRL).
O AFRL inclui a 711ª Ala de Desenvolvimento Humano, cuja
missão é “desenvolver o desempenho humano no ar, no espaço e no ciberespaço”. A
Wright-Patt é tão grande que nem mesmo Holmes tem total certeza de aonde
estamos indo. Nós tivemos que pedir informações a um aviador que estava
passando. Ele está fardado, mesmo sendo segunda-feira. Nas segundas, Holmes
tinha me informado, o protocolo é usar o uniforme azul, a não ser que algum
serviço sujo esteja agendado. Quando nós entramos, no entanto, todo mundo está
em fardas comuns. Um grupo de aviadores está em uma reunião informal num café
no átrio, enquanto outros estão pra lá e pra cá em suas tarefas. Antigos
cirurgiões gerais da Força Aérea inspecionam seus quadros pendurados em uma
parede longa. A atmosfera está silenciosamente movimentada.
Quando um homem jovem se aproxima de nós, deslocado não
apenas por estar em roupas civis (um terno desencanado/moderno), mas por usar o
cabelo longo e um cavanhaque. Eu fico momentaneamente chocada. “Quando conheci
Andy, ele parecia ser um militar na ativa, enquanto eu tinha um rabo de cavalo
até a altura do meu cinto”, Weisend me contou depois. “Eu gosto de pensar que o
trouxe para o caminho do cabelo comprido e fico orgulhoso disso!”
Andy McKinley é o parceiro de pesquisas de Weisend e o
principal pesquisador interno de ETCC dos militares, liderando um laboratório
na Ala de Performance Humana. Seu pai era um engenheiro biomédico do
Laboratório de Pesquisa da Força Aérea americana. “Eu acho que segui os passos
dele”, diz McKinley. “Eu também gosto da possibilidade de que minha pesquisa
possa levar ao desenvolvimento de tecnologias que possam continuar nos dando
vantagem estratégica militar e aprimorar a segurança nacional”. Ele se juntou à
equipe dois anos depois de terminar a faculdade e começou investigando os
efeitos da gravidade alta sobre a performance cognitiva dos pilotos. Depois de
um PhD em engenharia biomédica, com neurociência como campo secundário de
estudos, ele começou a trabalhar com estimulação cerebral não invasiva. “Nós
começamos a reparar que muito da literatura médica sugere que o funcionamento
cognitivo pode ser aprimorado”, ele diz. “E, particularmente em grupos de
controle, que são pessoas normais e saudáveis. Nós começamos a pensar: se isso
pode ajudar esses participantes saudáveis, podemos usá-la como um instrumento
de intervenção nas forças armadas, para ajudar a melhorar a função cognitiva”.
McKinley tem entre seis e dez pessoas trabalhando com ele (o
número flutua caso ele tenha ou não estudantes em estágio de verão). Até onde
ele sabe, sua equipe é a única nas forças armadas dos EUA, ou em quaisquer
outras, investigando a estimulação não invasiva do cérebro. Outros países
certamente estão interessados: O Laboratório de Pesquisa e Ciência da Defesa do
Reino Unido, parte do Ministério da Defesa, está pagando por pesquisas da
Universidade de Bangor, no País de Gales, que tratam da possibilidade do ETCC
ampliar a capacidade de observação, e financiando estudantes de PhD da
Universidade de Nottingham para conduzir estudos sobre o aumento da cognição e
na performance, em parte usando ETCC.
O ETCC é uma tecnologia incomum, já que seus efeitos em
pessoas saudáveis foram descobertos por acidente. Então, a pesquisa de McKinley
tem duas frentes: a primeira é o melhor entendimento da neurociência básica. A
segunda é o desenvolvimento de utilizações práticas.
No dia da minha visita, um teste de ETCC está acontecendo em
um dos laboratórios menores de McKinley. Um aviador está sentado de frente para
um monitor, preso por eletrodos, sua jaqueta pendurada nas costas de sua
cadeira. Símbolos em forma de avião ficam entrando no espaço aéreo [mostrado em
seu monitor]. Ele tem que decidir se o avião que está chegando é amigo ou
inimigo. Se for inimigo, ele deve enviar um alerta. Se o inimigo for embora,
tudo bem. Se não for, deve ser derrubado. O laboratório está em silêncio, fora
os bips conforme ele aperta os botões e os estrondos quando o míssil virtual
destrói um avião que se recusou a cooperar.
A tarefa obviamente envolve tomada de decisões, mas também
tem um elemento físico “motor”: você precisa apertar os botões na sequência
correta e tem que fazer isso rapidamente, para conseguir uma boa pontuação.
Depois de um tempo, esse tipo de tarefa fica bastante automático. “Quando você
está aprendendo a andar de bicicleta ou com algum veículo manual, seu processo
é muito consciente, porque você está pensando em todos os passos. Mas, conforme
você faz com mais frequência, isso se torna mais e mais inconsciente”, diz
McKinley. “Nós queremos ver se conseguimos acelerar essa transição com o ETCC”.
A imagiologia cerebral sugere que a melhor forma de fazer
isso seria estimular o córtex motor enquanto o voluntário realiza a tarefa. Mas
McKinley e seu time acrescentaram um reviravolta: depois da estimulação, eles
usam o ETCC invertido, para inibir o córtex pré-frontal dos voluntários, que
está envolvido no pensamento consciente. No dia seguinte à estimulação, os
voluntários são trazidos de volta para um novo teste. “Os resultados que
estamos alcançando são fantásticos”, diz McKinley. As pessoas que receberam a
estimulação durante o teste e [depois] a inibidora, foram 250% melhor em seus
novos testes, uma performance muito melhor do que as das pessoas que não
receberam nenhum dos dois. Usado dessa forma, parece que o ETCC pode turbinar o
tempo que leva para alguém passar de novato a especialista em uma tarefa.
Na teoria, esse processo de dois passos pode ser usado para
aumentar a velocidade de todos os tipos de treinamento, desde pilotar um avião
até mirar um tiro. Mas, por ora, a análise de imagens está no topo da lista de
McKinley. É um trabalho meticuloso, que requer muita atenção. Analistas de
imagem passam todo seu dia de trabalho estudando imagens de câmeras de
vigilância, atrás de qualquer coisa que possa ser importante.
Em outros estudos, a equipe de MacKinley também usou o ETCC
para dar uma carga extra para a atenção, que também pode ajudar os analistas de
imagem. Pediu-se que voluntários se encarregassem de uma simulação rudimentar
do monitoramento de tráfego aéreo. Nesse tipo de tarefa, a performance cai com
o tempo. “É um decréscimo bem linear”, diz McKinley. Mas, quando estimulavam o
córtex pré-frontal dorsolateral dos cérebros dos voluntários, uma área que
descobriram ser crucial para a atenção, eles descobriram que não houve qualquer
redução na performance por todos os quarenta minutos de duração do teste. “Isso
nunca havia sido mostrado antes” ele diz, entusiasmado. “Nós nunca tínhamos
sido capazes de encontrar nada que causasse esse tipo de preservação da
performance”.
O ETCC não é o único instrumento de estimulação do cérebro
que McKinley considera interessante. Além de seu trabalho com estimulação
magnética, outros times estão voltados para o ultrassom e até mesmo para a luz
laser, bem como para diferentes formas de estimulação elétrica, por exemplo,
usando corrente alternada. McKinley está prestes a começar a investigar o
ultrassom também, e está interessado em como a corrente alternada pode
influenciar as ondas cerebrais. Mas, enquanto ele diz que é neutro sobre qual
tipo de estimulação pode ser a melhor para o aprimoramento da conexão, o ETCC
tem algumas vantagens. Pra começar, diferente do ultrassom ou do magnetismo, a
eletricidade é uma parte natural da comunicação entre as células do cérebro,
além de ser barata e portátil. Ele acredita que o ETCC é a melhor aposta para
um dispositivo de estimulação cerebral que possa ser usado.
Como resultado, McKinley prevê uma cobertura [quepe, boina
etc.] wireless que incorpore sensores de eletroencefalografia (EEG) e eletrodos
de ETCC. Essa cobertura dois-em-um monitoraria a atividade cerebral e, quando
necessário, forneceria estimulação direcionada, ampliando a atenção de quem
está usando o equipamento, caso a performance da pessoa pareça estar
enfraquecendo. A tecnologia básica já está disponível.
McKinley e Weisend estão trabalhando para aprimorá-la e
refiná-la. Com a ajuda de especialistas em materiais do Laboratório de Pesquisa
da Força Aérea, eles desenvolveram eletrodos baseados em EEG que usam gel, no
lugar de uma esponja molhada, o que dizem que a torna mais confortável de se
vestir. Agora, eles também se beneficiam de um conjunto de cinco mini-eletrodos
dentro de cada ânodo e cátodo, para espalhar a corrente e reduzir o risco de
danos à pele.
Junto com as melhorias no aprendizado e na atenção em
situações normais, McKinley descobriu que o ETCC pode combater o declínio no
desempenho mental que normalmente vem com a falta de sono. Outros pesquisadores
descobriram que, dependendo de onde é aplicada a corrente, o ETCC pode tornar
uma pessoa mais lógica, aumentar sua habilidade matemática, ampliar sua força e
velocidade físicas, e até mesmo afetar sua habilidade de fazer planos, sua
propensão a correr riscos e sua capacidade de enganar; parece que o ETCC pode
melhorar ou piorar a produção de mentiras. Embora muito desse trabalho ainda
seja preliminar, todos esses efeitos têm potencial para serem explorados por
qualquer organização militar, ainda que McKinley se esforce para afirmar que o
“controle da mente dos soldados” não é seu objetivo. Os maiores empecilhos para
lançar uma cobertura de ETCC a ser usada rotineiramente pelos militares dos EUA
(ou por qualquer pessoa) não tem tanto a ver com a tecnologia ou com seus
possíveis efeitos, mas com as perguntas ainda sem respostas sobre a essência do
método.
“Vamos falar de crânios!”
Eu estou com Mike Weisend em um Max & Erma’s, um
restaurante de comida americana a uns cinco minutos, de carro, de seu novo
escritório no Instituto de Pesquisa Wright State. O Instituto fica a cerca de
dez minutos da Base da Força Aérea Wright-Patterson. Na mesa também estão Larry
Janning e David McDaniel, da Defense Research Associates, uma empresa local que
cria tecnologias “para apoiar os soldados”.
No carro, no caminho para lá, Weisend me contou sobre suas
primeiras e macabras tentativas de ter uma noção melhor do que acontece com a eletricidade quando é aplicada no
crânio. “Primeiro, eu me uni a uma companhia que pesquisa o dano acústico em
cabeças de cadáveres. A ideia era que a gente ficasse com as cabeças depois.
Era um trabalho nojento, desagradável. Eu não conseguia lidar com ele”. Mas
esse tipo de dado estava no topo da lista de desejos dele e de McKinley.
Ninguém sabe ainda qual duração da estimulação elétrica ou
quantas estimulações trazem o maior impacto ao desempenho, ou qual nível de
corrente é o ideal. Nem ninguém sabe se uma estimulação pode causar uma mudança
permanente. Isso tornaria a cobertura dois-em-um desnecessária, diz McKinley,
mas pode ou não ser desejável, dependendo da utilização. Em diversos estudos há
pistas de que mesmo uma única sessão de ETCC pode ter efeitos a longo prazo.
Ninguém sabe por quanto tempo os efeitos sobre a atenção persistem após os
quarenta minutos do breve estudo no controle de tráfego aéreo, diz ele.
Outra coisa que ninguém sabe com certeza é pra onde a
eletricidade vai quando é aplicada a diversas partes do crânio. Certamente, é
um estímulo bastante amplo e impreciso, com uma abordagem mais para “escopeta”
em vez de um “bisturi”, como Weisend descreve. Mas enquanto há exemplos que
indicam para onde os neurocientistas acham que a eletricidade vai no cérebro, e
precisamente quais partes são afetadas, McKinley diz que isso ainda não é bom o
bastante. Você não pode colocar eletrodos na cabeça de uma pessoa viva para
descobrir isso. “Então o que nós queremos”, McKinley me disse, “é um crânio
fantasma”.
Hoje, Weisend quer falar com Janning e McDaniel sobre a
construção desse fantasma, um modelo de uma cabeça humana. A ideia é usar um
crânio de verdade, mas com uma gosma gelatinosa e condutora dentro dela,
imitando um cérebro.
A princípio, ninguém tem muita certeza de como arrumar o
crânio com sensores de uma forma que possa produzir resultados realistas,
especialmente porque Weisend quer que ele seja útil para pesquisa com várias
técnicas de estimulação. Enquanto comemos hambúrguer de feijão preto e tomamos
sopa, conversamos sobre múltiplos receptores e problemas com sinais de pulso.
Então, McDaniel vem com a ideia de inserir, no buraco na base do crânio, uma
placa de circuito dobrada como um leque, que se abriria uma vez que estivesse
lá dentro. Weisend se empolga com a ideia. Ele junta seus punhos, colocando as
falanges em contato. “O cérebro é assim”, diz ele. “Você tem fibras correndo
como meus dedos [nessa posição]”. Ele decide que a forma de leque seria uma
imitação decente para as fibras. “Eu gosto dessa ideia. Eu gosto muito dela!”
Tanto McKinley quanto Weisend estão interessados na
neurociência básica do que, exatamente, o ETCC faz ao cérebro, mas também na
tecnologia – e na questão da segurança. Essa é obviamente uma grande
preocupação quando você está falando sobre bombardear o cérebro com
eletricidade, mesmo se a corrente for baixa. As descobertas positivas com o
ETCC e, sendo o equipamento relativamente barato, fizeram com que o ETCC feito
em casa se tornasse um tópico de discussão popular na internet. Você pode
comprar tudo que precisa por menos de duzentos dólares e, julgando pelos fóruns
online, várias pessoas estão fazendo isso. Mas Weisend tem algumas grandes
preocupações sobre isso. Pra começar, os próprios eletrodos.
“Está vendo isso?” ele levanta a manga do braço direito para
mostrar uma pequena cicatriz na parte de dentro do antebraço. “Eu testei todos
os tipos de eletrodos em mim mesmo antes de os usarmos em pessoas comuns”, ele
diz. “Não gosto de fazer a outras pessoas nada que eu não faça a mim mesmo”.
Depois de testar um eletrodo particularmente novo, um assistente de pesquisa
limpou seu braço e um pedaço de pele do tamanho de uma moeda saiu. “Tinha
consistência de catarro”, diz Weisend. “Eu conseguia ver o músculo embaixo”. O
problema era o formato: o eletrodo era quadrado, e a corrente se concentrou nos
cantos. Esse foi um dos diversos resultados, em sua maioria menos
desagradáveis, que ajudaram ele e McKinley a desenvolver o atual conjunto de
cinco eletrodos que espalham a corrente.
Kits para ETCC em embalagens bonitas, que visam ao público
geral e não os cientistas, já estão à venda para o consumidor final. Mas
Weisend e McKinley (e todos os outros pesquisadores de ETCC com quem eu falei)
acham que é muito cedo para dispositivos comerciais. Na verdade, todos eles
pareceram preocupados. Se alguma coisa der errado e alguém se machucar, talvez
com um eletrodo imperfeito ou por usar o kit por “tempo demais” – uma duração
que ainda precisa ser definida – não seria ruim só para a pessoa: o conceito do
ETCC seria estigmatizado novamente, diz McKinley.
Até agora, parece que não há efeitos prejudiciais causados
pelo ETCC, pelo menos, não nos níveis e durações usados rotineiramente pelo
laboratório. Weisend acredita que não existe almoço grátis, e admite que podem
existir efeitos colaterais no ETCC que ninguém conhece ainda. Outros são mais
otimistas. Felipe Fregni, diretor do Laboratório de Neuromodelação do Hospital
de Reabilitação Spaulding, em Boston, Massachusetts, diz que não há motivo para
achar que mesmo o uso a longo prazo possa causar problemas, se forem os baixos
níveis e curtas durações tipicamente utilizados nos estudos em laboratórios.
“Sendo um clínico, uma coisa que aprendemos na faculdade de medicina é que os
tratamentos que funcionam bem têm grandes efeitos colaterais. Então você vê uma
coisa com nenhum efeito colateral e pensa ‘nós estamos deixando de ver alguma
coisa, ou não?’. O ETCC está apenas ampliando o que o seu sistema já está
fazendo. Baseado nos mecanismos, eu me sinto confiante de que a técnica é
bastante segura”.
A falta de efeitos colaterais, algo de que a maioria das
drogas não pode se gabar, é uma das razões pelas quais o ETCC é tão excitante
como instrumento clínico, diz Vince Clark. Em muitos casos, um remédio será
mais adequado. Mas o ETCC pode aliviar a dor sem deixar o usuário viciado. Ele
pode afetar o cérebro sem danificar o fígado. Como não parecem existir efeitos
colaterais, o ETCC é pelo menos tão seguro quanto as drogas que são,
atualmente, aprovadas para o uso em crianças. 11% das crianças nos EUA foram
diagnosticadas com transtorno do déficit de atenção com hiperatividade, e
muitas tomam estimulantes como a Ritalina. Ninguém tem certeza de que não
existem efeitos a longo prazo no uso do ETCC, mas segundo Clark o mesmo pode
ser dito sobre a Ritalina.
Enquanto o ETCC não é aprovado pela Food and Drug
Administration dos EUA para uso médico, relatos anedóticos levam Clark a
acreditar que seu uso sem indicação formal (quando os médicos recomendam algo
que acreditam que vai ajudar o paciente, mas não é algo reconhecido como um
tratamento) está crescendo, particularmente para dor crônica e depressão.
Hospitais estão começando a usar a técnica clinicamente. Em Boston, Fregni e
seu colega León Morales-Quezada começaram recentemente a usar o ETCC durante a
reabilitação de pacientes jovens com danos cerebrais. Com um menino de três
anos que sofreu graves danos cerebrais ao quase se afogar em uma piscina, eles
alcançaram resultados “fantásticos”, diz Morales-Quezada. Após o tratamento, o
menino ganhou um controle muito melhor de seus movimentos e foi capaz de falar.
Há um outro “risco”: que o dispositivo não ajude qualquer
um, e aí as pessoas vão dizer que o ETCC não funciona. Realmente, as pessoas
não respondem igualmente à estimulação, e ainda não se sabe o motivo disso.
Essa é apenas uma das áreas que precisa de mais pesquisa, e pesquisa exige
dinheiro.
Para Clark, seus estudos não são fundamentalmente sobre
ajudar a ensinar um soldado a perceber uma ameaça e lidar com ela (o que, no
mundo real, pode envolver identificar e matar um inimigo), mas sobre investigar
como o cérebro detecta ameaças. “Muitas pessoas que resenharam minha pesquisa
dizem que é um bom trabalho, mas tem que ser sobre os militares? Isso as deixa
infelizes. Muitos intelectuais ficam desconfortáveis com a guerra. Eu fico”.
Além disso, há algo que ainda o incomoda. Em 2003, Joseph
Wilson, ex-diplomata dos EUA, publicou um artigo no New York Times argumentando
que o presidente George W. Bush tinha enganado o público ao afirmar que o
Iraque estava comprando urânio na África, [e isso foi] parte do furor maior
sobre a decisão de ir à guerra no Iraque. Uma semana depois foi revelado que
sua esposa, Valerie Plame Wilson – uma amiga de Clark – era uma agente da CIA.
A coisa toda tinha sido uma retaliação por seu artigo, seu esposo alegou. “Eu
conheci Valerie por dez anos antes disso, sem saber que ela era agente da CIA”,
diz Clark. “Ela era uma patriota incrível, e eu fiquei realmente triste ao
perceber que, porque as pessoas estavam bravas com seu marido, ela tenha
perdido sua carreira e sua capacidade de fazer aquele trabalho… então ali eram
meus amigos, passando por aquilo. Aqui estou eu, sendo pressionado para usar
essa tecnologia para o desenvolvimento de armas”.
Desenvolvimento de armas? Por volta da época da doação do
DARPA, o foco da Rede de Estudos da Mente começou a se voltar mais e mais na
direção do desenvolvimento de ferramentas que os militares pudessem usar, diz
Clark. “Eu não posso dizer o que foi discutido, mas posso mencionar algumas
possibilidades”, ele diz. “Um dispositivo que deixe as tropas inimigas
inconscientes, ou as deixe confusas ou tristes demais para lutar, pode ser
transformado em uma arma. Podem ser conseguidas armas que alterem pensamentos e
crenças, ou que afetem diretamente a capacidade de tomar decisões ou que
‘recompensem’ caminhos no cérebro para alterar seu comportamento, ou que
mantenham alguém consciente enquanto está sendo torturado”. Ele também ouviu
conversas sobre o uso de ETCC para aprimorar o treinamento de atiradores, o que
ele não aprovava. “Eu tinha meus princípios e objetivos, eles tinham os deles,
e estávamos em conflito direto”.
Em 2009, foi encontrado um erro nos pagamentos bônus dos
assistentes de pesquisa do projeto DARPA. Clark diz que não era nada sério, mas
como havia seu histórico de disputas com colegas sobre o direcionamento do
instituto, isso se tornou um grande problema. Logo depois, ele perdeu sua
posição como principal pesquisador no trabalho da DARPA.
Após apertos de mão entusiasmados e promessas de mais
discussões com a equipe da Defense Research Associates, Weisend boceja e pede
desculpas. Ele está em Ohio há apenas seis semanas. Tem sido um período muito
ocupado em se estabelecer, tentar conhecer novos colegas e encontrar possíveis
colaboradores. Além disso, ele e sua esposa finalmente compraram uma TV noite
passada, ele acrescenta. Ele não consegue resistir a ficar acordado assistindo
antigos episódios de Jornada nas Estrelas. De volta a seu escritório, nós
sentamos e falamos sobre ETCC, seus projetos atuais, a Rede de Estudos da
Mente, Vince Clark, o Departamento de Defesa e a “cor do dinheiro”.
O primo de Weisend, David, estava nas Forças de Operações
Especiais dos EUA. Sua irmã, Joan, teve uma carreira como auxiliar médica da
marinha americana. Ela completou muitas voltas ao mundo, incluindo Iraque e
África. Um incêndio a bordo de um barco em uma de suas viagens resultou em
múltiplas operações em seu pulso, pescoço e ombro. Entre 1997 e 2004, Weisend
também trabalhou no New Mexico Veterans Affairs Hospital, cuidando de um centro
de magnetoencefalografia (MEG), que examinava detalhadamente os cérebros dos
pacientes. Ele lembra de um paciente em particular, uma mulher que recebeu um
ferimento na cabeça após cair de um veículo em movimento durante a primeira
Guerra do Golfo. Como resultado, ela tinha epilepsia. O esquadrinhamento de seu
cérebro usando MEG permitiu que a equipe médica fizesse a cirurgia que
interrompeu as convulsões com o mínimo de dano possível ao tecido saudável. “Eu
vi pessoalmente os efeitos [da ação militar] à saúde dos soldados no hospital,
e na minha irmã, e no meu primo”, ele diz. “Qualquer coisa que eu possa fazer
para ajudar esses caras, eu vou fazer”.
Quando Clark perdeu seu cargo, Weisend foi convidado a tomar
a liderança, e foi ele que desenvolveu e supervisionou a segunda fase da
pesquisa. O financiamento do DoD é uma grande parte de sua renda no laboratório
do Wright State Research Institute, diz Weisend, por projetos “divertidos,
excitantes” sobre os quais ele não pode falar. Ele sabe muito bem que nem todo
mundo está confortável com os ganhos ligados às forças armadas. “Há pessoas,
especialmente nos departamentos universitários, que se preocupam com a “cor do
dinheiro”; dinheiro da Defesa, no lugar de dinheiro da NIH [Insitutos Nacionais
de Saúde dos EUA] para ciência pura”, ele diz. A opinião dele é que você nunca
sabe como a pesquisa básica vai ser usada, e se for usada para o mal, é a agência
que faz o mal que deve ser responsabilizada, não o pesquisador que trabalhou na
ciência que o originou.
E sobre a pesquisa que Clark ouviu falar, sobre o uso de
ETCC no treinamento de atiradores? Isso pertence à categoria de pesquisa que
aparece “na imprensa popular”, mas não “no laboratório”, Weisend diz, embora
acrescente que não é contra isso, na teoria. “A conclusão é que Vince e eu
vemos o mundo de formas diferentes, a respeito do trabalho da DARPA e as
direções que ele tomou”, ele diz. “Se Vince conversou sobre a transformação dos
nossos resultados em armas, eu não estou a par dessas conversas. Eles podem ser
transformados em armas? Sem dúvidas. Mas, novamente, uma caneta esferográfica
também pode. Nós sempre nos focamos na melhoria do desempenho, medida por meio
da redução de erros e de incertezas. Nós nunca fizemos experiências com armas
na MRN”.
Weisend me diz que, por muito tempo, foi difícil conseguir
voluntários militares para os estudos financiados pela DARPA. Ao contrário dos
civis, eles não podem ser pagos para fazer parte. Então, ele teve a ideia de
encomendar uma moeda especial. Ele me mostra uma. É pesada e impressionante, do
tamanho de uma medalha. Em um lado, há o exterior de um cérebro humano em alto
relevo, em outro os emblemas coloridos tanto da 711ª Ala de Performance Humana
quanto do Laboratório de Pesquisa da Força Aérea, com “The Mind Research
Network” gravado abaixo.
Moedas como essa são muito populares entre os militares, diz
Weisend. Ele me mostra sua coleção. Há uma de um amigo que trabalha no
Pentágono, outra de seu primo, da época em que estava nos Green Hornets, o 20º
Esquadrão de Operações Especiais da Força Aérea. “Nós não conseguíamos
descobrir como conseguir que os militares chegassem”, ele diz, “então criamos
essas [moedas]. E eles saíram de suas tocas para consegui-las”.
Enquanto os estudos da MRN envolvem uma mistura de
voluntários estudantes e militares, Andy McKinley recruta seus voluntários da
Base da Força Aérea Wright-Patterson. McKinley ressalta que, no momento, o ETCC
ainda é experimental. Ainda não é um treinamento de rotina das Forças Armadas
dos EUA. Porém, alguns pesquisadores estão preocupados.
Bernhard Sehm, neurologista cognitivo do Instituto
Max-Planck da Cognição Humana e Ciências do Cérebro em Leipzig, na Alemanha,
tem uma lista de preocupações sobre o ETCC e os militares. Pra começar, ele diz
que está longe de se convencer que os resultados de laboratório poderiam ser
passados para o mundo real, com exigências complexas como o combate. Além
disso, “alguns pesquisadores têm discutido como aprimoramento de uma habilidade
específica pode resultar na deterioração de outra”, ele diz. “O uso de
estimulação não invasiva no cérebro de soldados representa um risco tanto para
a pessoa que recebe quanto para outras pessoas que podem se machucar com suas
ações”. Sehm também está preocupado com a autonomia dos soldados. “Em geral, os
militares não podem decidir voluntariamente se receberão um ‘tratamento’ ou
não”, ele diz.
Conforme o DoD continua a financiar a pesquisa com ETCC,
alguns pesquisadores do campo decidiram tomar uma posição firme contra o
dinheiro ligado às Forças Armadas. Chris Chambers, um psicólogo na Universidade
de Cardiff, no País de Gales, conduz pesquisas sobre a estimulação magnética do
cérebro. Quando representantes da QinetiQ, uma empresa britânica de tecnologia
de defesa, contatou-o e disse que fundos poderiam estar disponíveis para
colaboradores associados, ele diz que rejeitou a oferta por uma questão de
princípios.
Essa não é, necessariamente, uma decisão fácil. Companhias
farmacêuticas não estão interessadas em pagar pela pesquisa, porque não só o
ETCC não é uma droga como também, em alguns casos, estaria em competição direta
com uma droga, e pode até mesmo ter grandes vantagens. “[O ETCC] não circula
pelo corpo, então ele não afeta outros órgãos que a maior parte das drogas pode
prejudicar”, diz Clark. “Ele não é viciante. Se ocorrer qualquer problema, você
pode desligá-lo em segundos. É barato, também”. Esses benefícios, infelizmente,
restringem as opções dos pesquisadores aos órgãos de financiamento público (que
não estão jogando dinheiro no ETCC), companhias privadas ligadas à defesa, ou
as Forças Armadas.
No passado, o financiamento do DoD gerou inovações que
tiveram grande impacto na vida civil – pense nos satélites de GPS ou até nos
fones de ouvido que cancelam os sons externos. Andy McKinley espera que uma
forma efetiva e segura de ETCC se junte a essa lista. Mesmo que o DoD não tenha
especialistas internos o suficiente para fazer a pesquisa, ele tem o dinheiro.
Clark ainda é supervisor de pesquisa no MRN, mas trabalha a
maior parte do tempo na universidade. Atualmente, ele está juntando “quaisquer
bocados de dinheiro que eu consiga encontrar” para seguir com pesquisas
médicas: para investigar se o ETCC pode ou não tratar o vício de alcoólatras,
reduzir as alucinações de pessoas com esquizofrenia e acalmar o comportamento
impulsivo ligado à exposição pré–natal ao álcool. Mesmo que essa pesquisa seja
relativamente barata, financiá-la ainda é um problema. Dado o rápido
crescimento das pesquisas com ETCC publicadas em periódicos acadêmicos, Clark
espera que os Institutos Nacionais de Saúde dos EUA comecem em breve a levar a
sério as pesquisas com ETCC e a pagar por estudos controlados e em larga
escala.
Dentre as pistas promissoras estão outras descobertas de que
o ETCC também parece funcionar bem com tipos de dor que não respondem bem aos
analgésicos convencionais, como a dor crônica e a dor vinda do dano em nervos.
Nesses casos, o alvo normalmente é o Córtex motor, e a ideia é reduzir os
sinais de dor. O que me traz de volta para Ryan, uma das grandes motivações
para a pesquisa de Clark. Clark chegou a testar [o ETCC] em seu filho? Quando
Ryan ficou doente pela primeira vez, “nenhum dos médicos tinha ouvido falar do
ETCC”, ele me disse, “e eu decidi não tentar sem ajuda médica”. Ele também
cruzou com uma abordagem de baixa tecnologia: uma “órtese” similar aos
protetores bucais que as pessoas usam contra bruxismo. Para a surpresa de
Clark, isso aliviou a dor de Ryan e facilitou seus movimentos. Mas Clark diz
que ficaria feliz se Ryan testasse o ETCC. Se a proteção parar de funcionar e
ele puder encontrar um médico que trabalhe com a técnica, “eu não acho que
haveria qualquer problema”, ele diz.
Clark fica excitado com o potencial do ETCC para ajudar
pessoas doentes, como seu filho, e também pessoas saudáveis. Mas ele diz que
agora está clara sua posição sobre quais financiamentos aceitar e quais
pesquisas fazer. “Eu quero ver o ETCC sendo usado para ajudar”, ele diz, “não
para machucar”.
Referências
via Gizmodo
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