Cobra-cigarra ou jequitiranaboia (Fulgora sp.) – Foto: Fábio Paschoal
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por Fábio Paschoal
Paramos o barco na beira do rio Cristalino e entramos em uma trilha no
meio da Floresta Amazônica. Guiava um grupo de turistas europeus fascinados
pela biodiversidade do Brasil junto com Sebastião, que foi criado entre duas
tribos indígenas no interior do Pará. Após uma hora de caminhada achei um
inseto estranho, que nunca havia visto antes, e comecei a me aproximar. De repente, senti um puxão. “Cuidado! Essa é
a cobra-cigarra! Ela mata com uma picada!”.
Sebastião disse que o inseto tinha um veneno mortal capaz de ressecar
árvores e matar animais e homens adultos. “A cobra-cigarra voa direto para o
seu peito e injeta o ferrão no coração!”. Aquilo me deixou mais desconfiado do
que assustado, e eu resolvi investigar.
A cobra-cigarra, também conhecida como jequitiranaboia ou machaca (em
espanhol), é um inseto cercado de mitos e lendas. Além da história contada por
seu Sebastião me deparei com outra crença associada ao inseto. Em alguns países
da América do Sul acredita-se que se uma pessoa é “ferroada”, ela deve ter
relações sexuais em menos de 24 horas. Ou então morrerá. Alguns pensam que a
picada não é mortal, mas afrodisíaca. Na Colômbia existe a expressão “picado
por la machaca” empregada para aqueles com um grande apetite sexual.
Essa lenda me deixou ainda mais curioso e recorri ao meu livro Animal
– the definitive visual guide to the wolrd’s wildlife , da editora Dorling
Kindersley (fotos excelentes, infográficos informativos e boas descrições das
espécies) para procurar por evidências.
Os apêndices cefálicos das cobra-cigarras variam na forma e na cor de
acordo com a espécie (Phrictus sp.) – Foto: Fábio Paschoal
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Descobri que a cobra-cigarra não é tão terrível assim. Ela se alimenta
de seiva, que coleta das árvores com um longo e afiado aparelho bucal. Uma das características mais marcantes desses
insetos é o formato do apêndice cefálico, resultado do crescimento de certas
regiões da cabeça do inseto. Em alguns casos, esses apêndices são adornados com
falsas reproduções de olhos e narinas e podem lembrar a cabeça de um réptil.
Existem espécies que apresentam manchas que se assemelham a fossetas
labiais, órgão para detecção de calor dos boídeos (família da jiboias e
sucuris). Outras apresentam um ponto negro entre os falsos olhos e narinas, que
remete a fosseta loreal, órgão dos crotalíneos (grupo das jararacas, cascavéis
e surucucus) com a mesma função da fosseta labial.
Essa semelhança com cobras e a presença de um aparelho bucal, que pode
ser confundido com um ferrão capaz de inocular veneno, podem ser a origem de
tudo. Mas, talvez, essa crença tenha um fundo de verdade: ao ser manipulada, a
jequitiranaboia pode usar o aparelho bucal para se defender. É possível que o
inseto tenha se alimentado de plantas que produzam substâncias tóxicas ou ele
pode estar infectado por bactérias. Se alguém for machucado nessas condições
específicas, pode ser que comece a passar mal e até morrer. Porém, até hoje,
não há nenhum caso registrado de óbito de humanos causado por cobra-cigarra no
Brasil.
Assim não há motivo para temer a jequitiranaboia. Ela é tão perigosa
quanto uma cigarra comum. Quanto ao antídoto receitado para o suposto veneno do
inseto… parece mais uma tentativa frustrada de um jovem que queria levar alguém
pra cama. Se alguém tiver alguma pista deixe um comentário abaixo, por favor.
A defesa da cobra-cigarra não é veneno. Ao ser perturbada, ela abre as
asas e mostra um par de olhos falsos na tentativa de assustar um possível
predador – Foto: Fábio Paschoal
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