Por acidente, estagiária descobre supercola feita com bagaço de cana em centro de pesquisa brasileiro
"Gente, está muito difícil tirar essa fórmula dos
equipamentos. Eu tento lavar, mas fica tudo grudado nas hélices". Foi
assim que Naima Orra, na época estagiária do Centro Nacional de Pesquisa em
Energia e Materiais (CNPEM), em Campinas, identificou uma textura pegajosa, que
se tornou depois de um mês de pesquisa uma cola atóxica feita a partir de
bagaço de cana-de-açúcar e materiais descartados por empresas de celulose.
Depois de ouvir o relato de Orra, a pesquisadora do
Laboratório Nacional de Nanotecnologia Rubia Figueiredo Gouveia decidiu
orientar a estagiária em uma pesquisa específica para aprimorar o estudo e
criar uma nova cola. Um mês depois, as duas chegaram à fórmula final,
patenteada no Brasil este ano. A cola sustentável brasileira poderá ser
registrada no exterior em 2019 sob a autoria das duas pesquisadoras - Naima
Orra, hoje, faz mestrado na França.
Caso a patente seja comercializada, metade do dinheiro
arrecadado será destinado ao fundo de inovação da organização social CNPEM; os
outros 50%, divididos entre as inventoras.
Além de ter a mesma eficiência de outras colas já
comercializadas atualmente, a nova fórmula é feita a partir da simples mistura
de três ingredientes: látex, nanocelulose e lignina.
"Uma das vantagens é que esses dois últimos elementos
são muitas vezes descartados em larga escala por indústrias de papel e
refinarias de cana-de-açúcar. Reaproveitar o que seria descartado é sustentável
e ainda deve baratear a produção", afirmou Rubia Gouveia em entrevista à
BBC News Brasil.
A pesquisadora afirma que a cola pode beneficiar uma cadeia
de indústrias que usam o produto, como a automobilística, de móveis, construção
civil e brinquedos. Dos três materiais usados em sua produção, o látex deve ser
o único que ainda continuaria sendo extraído árvores, principalmente de
seringueiras.
Já a nanocelulose é obtida em larga escala hoje no Brasil a
partir de árvores de eucalipto. Para a produção da nova cola, porém, a substância
foi extraída do bagaço de cana.
A lignina é obtida a partir de um líquido chamado de
"licor negro", comumente descartado em indústrias de papel, exceto as
mais modernas, que costumam usar a substância para a produção de energia. Para
isso, é necessário cozinhar a substância com soda em alta temperatura e
pressão.
Produção em larga escala
Fabiano Rosso, gerente de pesquisa do Projeto Lignina da
Suzano Papel e Celulose, a maior produtora de papéis de imprimir e escrever da
América Latina, disse que uma fração de 3% da lignina produzida pela fábrica da
empresa em Limeira, no interior de São Paulo, deve ser separada a partir deste
semestre, purificada, modificada, transformada em uma resina e vendida para
fábricas de madeira e MDF.
O número equivale a cerca de 20 mil toneladas. O restante
continuará sendo queimado, como hoje, para virar vapor, alimentar uma turbina e
produzir energia, que abastece a indústria e ainda gera um excedente que é
vendido. Caso as experiências demonstrem a viabilidade da supercola, boa parte
da substância produzida pela Suzano Papel e Celulose poderia ser utilizada para
este fim.
A notícia de que uma cola pode ser produzida a partir de
lignina animou Rosso. Para ele, o ideal seria diminuir a destinação do material
à produção de energia e usá-lo para fabricar de materiais com valor agregado.
"Eu não conheço essa pesquisa, mas vou procurar saber e
entender sua aplicação e o que os pesquisadores estão fazendo. Eu tenho
interesse não só pela aplicação, mas também pela fabricação desse produto
final. Eu vejo esse como um caminho bastante viável para produzir em larga
escala", afirmou Rosso.
Formaldeído
Além de vantagens econômicas e ecológicas, a cola
sustentável não usa solventes químicos derivados do petróleo como a maior parte
das colas usadas hoje industrialmente. O mais conhecido e prejudicial é o
formaldeído, classificado como cancerígeno pela Organização Mundial da Saúde
(OMS) em 1984 e que está presente na maior parte das colas industriais,
inclusive as usadas por sapateiros e vidraceiros. O odor da substância pode
causar náuseas, dores de cabeça e, em casos mais graves, até mesmo alucinações
e confusão mental. A cola sustentável, por sua vez, é atóxica.
O uso do formaldeído foi proibido nas indústrias dos Estados
Unidos e do Canadá, as únicas que, ao lado da Suécia, também produzem lignina
em larga escala.
Mas, de acordo com a pesquisadora Rubia Gouveia, a cola
sustentável não tem como foco apenas uso industrial, mas também comercial,
doméstico e escolar.
"É possível fazer modificações para adequar seu uso em
diferentes situações. Desta forma, a cola poderia ser usada desde indústrias
automobilísticas, móveis, de tecidos a até mesmo em escolas e
escritórios", afirma Gouveia.
A cola demonstrou sua potência adesiva em testes de tração
feitos em laboratório. Além de colar papéis e madeiras, a cola também mostrou
um alto poder de aderência em testes feitos com alumínio.
O próximo passo das pesquisadoras é fazer adaptações na
fórmula e testar a cola em altas e baixas temperaturas. Também será feita uma
adaptação para que ela possa colar vidros e beneficiar mais setores
industriais.
Via | BBC
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