Cientistas conseguiram juntar células humanas e porcos em um
único embrião... Mas a gente explica porque este feito ainda não é tão
grandioso assim
Quimeras eram lendas gregas, seres mitológico que formados
por uma mistura de leão, cabra e serpente. Não é surpresa, então, que a ciência
tenha dado este mesmo nome às primeiras tentativas de misturar material
genético de espécies diferentes para formar um único ser vivo.
Esta semana, avanços na criação de híbridos já deram coceira
em quem se preocupa com ética científica. A mais polêmica, sem dúvida, foi a
notícia de que o Instituto Salk, na Califórnia, conseguiu produzir (e
implantar) embriões de porcos com células humanas. Mas as preocupações dos
fatalistas ainda estejam muito longe de se tornar realidade porque, ao que tudo
indica, a ciência ainda está muito longe de criar uma quimera que realmente
misture as duas espécies de forma funcional.
Os pesquisadores Juan Carlos Izpisua e Jun Wu passaram
quatro anos injetando células humanas em porcos. As escolhidas foram células
tronco pluripotentes, vindas de seres humanos adultos, mas manipuladas em
laboratório para voltar àquele estágio “maleável” das células tronco, capazes
de se desenvolver em diferentes tipos de tecido.
Durante esse período, 2.075 embriões suínos receberam
injeções de células-tronco, em uma proporção de 1 célula humana para cada 100
mil células de porcos. A porção humana foi programada para produzir uma
proteína verde fluorescente, para ser bem fácil de identificar.
Os embriões foram implantados no útero das porcas e deixados
lá por quatro semanas para ver se: 1) eles eram capazes de se desenvolver e 2)
se as células humanas sobreviveriam nesse ambiente.
A história só virou notícia, é claro, porque algumas células
humanas sobreviveram, o que já era bem improvável. Mas há quem questione se o
experimento pode ser considerado bem sucedido – como, por exemplo, a revista do
próprio MIT.
Em primeiro lugar, vamos aos números: 2 mil embriões
criados, 41 porcas inseminadas. Só 186 embriões vingaram – e a maioria deles
não tinha nenhum traço de células humanas. Em 67 deles, um pequeno número de
células sobreviveu, mas prejudicou o desenvolvimento gestacional. 50 deles eram
muito menores que o normal e cresciam muito mais devagar – talvez porque a
gravidez dos porcos dure apenas 4 meses. Quando o estudo foi interrompido,
depois de um mês de gestação, apenas 17 embriões cumpriam duas condições
básicas: pareciam saudáveis e continham células humanas.
Mas aí vem a grande questão: qual era a diferença deste
embrião para um feito exclusivamente de células de porco? Na prática, nenhuma.
O maior feito do experimento foi demonstrar que as células sobreviveram em
0,82% dos casos, mas a conclusão do teste ainda afirma categoricamente que “não
houve contribuição significativa” das células humanas para o embrião do porco.
O próximo passo é tentar modificar geneticamente o embrião
para que ele seja mais hospitaleiro para nossas células-tronco. Mas o status
atual mostra o quão longe estamos de, por exemplo, produzir órgãos humanos
dentro de porcos para tentar diminuir filas de transplantes.
É claro que quimeras porco-humanas são especialmente
desafiadoras, por seres duas espécies profundamente diferentes.
Coincidentemente, um laboratório no Japão anunciou, nesta mesma semana, que
conseguiu quimeras bem mais avançadas de camundongos e ratos.
Os japoneses programaram embriões de ratos geneticamente
para que eles tivessem problemas na formação dos olhos, do coração e do
pâncreas. Quando eles introduziram células de camundongo, porém, elas
“preencheram” as lacunas genéticas. Assim, os embriões se desenvolveram
saudáveis. Os cientistas foram ainda mais longe: pegaram o pâncreas saudável
dessas quimeras e fizeram o transplante para camundongos “puros”, mas que
tinham diabetes. Funcionou – os roedores sobreviveram por mais de um ano com o
órgão retirado dos híbridos, produzindo insulina normalmente.
Os dois estudos juntos mostram o potencial que o estudo de
quimeras pode um dia alcançar – mas esse desenvolvimento deve vir lentamente.
No intervalo, temos tempo de sobra para discutir os dilemas éticos que surgem
da criação dessas criaturas mistas.
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