Segundo cientistas, entender como funciona o mecanismo de
dor nos roedores pode servir à criação de analgésicos mais potentes.
Wasabi, mostarda escura e rabanete cru são ingredientes que
estão longe de serem consensos culinários. Afinal, precisam ser usados de forma
sutil para proporcionar uma experiência agradável: basta exagerar um pouquinho
na dose para provocar uma careta – acompanhada de uma sensação de picância que
faz o olho lacrimejar e a boca adormecer. Isso acontece devido à ação do
isotiocianato de alila, composto químico encontrado nesses alimentos e
responsável pela ardência.
Não são apenas os humanos que sentem desconforto ao exagerar
na quantidade de raiz forte. Estudos científicos provaram que isso vale também
para aranhas, moscas e ratos de laboratório. Uma espécie, porém, faz inveja a
esse grupo. Trata-se do rato toupeira-highveld, roedor nativo da África do Sul
para quem o isotiocianato de alila não provoca efeito algum.
Capazes de usar frutose, uma reserva de energia
característica das plantas, os toupeira-pelados podem viver até 18 minutos sem
ar. Além disso, estudos anteriores comprovaram sua estranha habilidade de nunca
contrair câncer e serem imunes à dor causada por ácidos.
Graças ao trabalho de um grupo internacional de
pesquisadores, publicado recentemente na revista Science, é possível adicionar
mais um item à lista de super poderes à família dos ratos-toupeira.
Qual era o experimento
Além do isotiocianato de alila, a substância do wasabi e
mostarda, cientistas testaram como oito espécies de ratos-toupeira reagiam a
outros dois compostos: capsaicina (componente das pimentas que causa ardor) e
ácido clorídrico. Eles receberam injeções subcutâneas dos três compostos.
Quatro das espécies sentiram dor com as três substâncias. Três delas ficaram
imunes à ação do ácido clorídrico e duas, da capsaicina.
Ratos convencionais, como descreve o site Gizmodo, tinham um
comportamento diferente, ficando claramente desconfortáveis. Após receberem
injeções ardidas, lambiam e balançavam as patas por cerca de cinco minutos.
Apenas uma das espécies, a dos rato-toupeira highveld,
permaneceu totalmente inerte durante todo o experimento – independentemente da
substância que recebiam na pata. Como se nada tivesse acontecido, as cobaias
permaneciam cheirando, cavando e explorando o ambiente.
De acordo com os pesquisadores, a explicação para a
blindagem natural dos ratos-toupeira highveld em relação à ardência está na
genética. Ao longo de milhões de anos, eles teriam incorporado em seu DNA um
gene que “bloqueia” o canal que faz os ratos sentirem a dor causada por essas
substâncias.
Isso foi comprovado por cientistas na prática. Quando os
pesquisadores usavam drogas para impedir o mecanismo genético que serve de
escudo para substâncias ardidas, eles passavam a sentir a dor causada pela
picância, assim como acontecia com seus primos.
A hipótese principal é que essa resistência foi incorporada
como resposta à convivência com um vizinho nada amistoso. A picada de uma
formiga conhecida como “droptail Natal” (Myrmicaria natalensis), que vive nos
buracos que ratos-toupeira highveld chamam de casa, teria um efeito parecido
com a injeção ardida aplicada por cientistas. É nada além de uma resposta
evolutiva: ratos que não sentem a dor da convivência com as formigas tendem a
ter mais sucesso reprodutivo – perpetuando a imunidade a ardência ao longo das
gerações.
Cientistas esperam que o domínio do mecanismo que desliga a
dor, encontrado nos ratinhos, possa criar soluções para o combate de dores em
humanos. A criação de analgésicos mais potentes, que saibam atacar o mecanismo
certo do cérebro responsável por aquele tipo de dor, pode ser especialmente
útil no tratamento de dores crônicas – sinais persistentes que podem afetar o
sistema nervoso de uma pessoa por longos períodos. Uma sensação que os
ratos-toupeira highveld dificilmente sentiriam, claro – mesmo comendo ração
apimentada por anos à fio.
Fonte | Revista Superinteressante
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