As duas bebês gêmeas que são as primeiras pessoas do mundo a
terem seus genes editados podem ter sido mutadas de um modo que reduzirá sua
expectativa de vida, sugere uma pesquisa recém-publicada.
O caso, que chocou o mundo científico, veio à tona em
novembro de 2018, quando o cientista chinês He Jiankui anunciou ter alterado o
DNA dos embriões das duas bebês para torná-las resistentes ao HIV, caso elas
entrassem em contato com o vírus.
Agora, um estudo do periódico Nature Medicine aponta que
pessoas com a mutação genética que He tentou recriar têm probabilidade
significativamente maior de morrer ainda jovens.
Especialistas disseram que as ações de He foram "muito
perigosas" e "tolas"; no início deste ano, a imprensa estatal
chinesa afirmou que ele agiu ilegalmente e buscava fama e dinheiro.
O gene modificado
O gene em discussão é chamado CCR5, que é importante para
determinar o funcionamento no sistema imunológico.
Ele é também a porta de entrada para o vírus da
imunodeficiência humana - o HIV - entrar e infectar células do corpo.
O que a mutação nesse gene faz é "fechar" essa
porta de entrada e tornar as pessoas resistentes ao HIV.
He criou embriões em uma clínica de fertilização in vitro e
depois, usando tecnologias de edição genética, alterou o gene CCR5.
As gêmeas resultantes dessa edição, conhecidas como Lulu e
Nana, nasceram no ano passado.
Como o gene impacta a expectativa de vida
O problema é que o CCR5 tem um papel maior no corpo humano
do que apenas torná-lo vulnerável ao HIV: o gene ativa o cérebro no
enfrentamento de outras infecções, especialmente a gripe.
O estudo recém-publicado, feito na Universidade da
Califórnia em Berkeley, analisou quase 410 mil pessoas no Reino Unido e
identificou que as que tinham apenas a versão editada no CCR5 tinham 20% mais
probabilidade de morrer antes de chegar aos 78 anos.
"Nesse caso, provavelmente não se trata de uma mutação
que a maioria das pessoas gostaria de ter", afirmou o professor Rasmus
Nielsen, da UC Berkeley. "Em média, provavelmente será pior por
tê-la."
A também pesquisadora Xinzhu Wei afirmou que a tecnologia de
edição de genes, conhecida como Crispr, ainda é muito arriscada para ser usada
em crianças.
Para as gêmeas Lulu e Nana, as implicações da descoberta
ainda são incertas.
"É impossível prever se as mutações carregadas pelas
meninas terão algum efeito", afirma Robin Lovell-Badge, pesquisador do
instituto de biomedicina Francis Crick.
Nem todas as pessoas com a mutação morreram jovens, embora
essa possibilidade fosse maior. E a expectativa de vida depende de uma complexo
combinação que leva em conta seu DNA e as circunstâncias em que você vive.
Para complicar ainda mais, He Jiankui mutou o CCR5 de um
jeito similar, e não idêntico, ao das pessoas que são resistentes ao HIV.
Para Lovell-Badge, o estudo recém-publicado mostra
"mais uma vez que He Jiankui foi tolo em escolher o CCR5 para mutar".
Reações
À época, He foi duramente criticado pela edição genética
experimental e porque os riscos ainda são incertos, sobretudo se tratando de
crianças que teriam uma vida saudável sem a mutação.
Além disso, houve críticas pelo fato de haver poucos riscos
de que os pais dos embriões - que eram HIV positivos - passassem o vírus
adiante para seus filhos, tornando a edição genética pouco necessária.
He, por sua vez, defendeu seu trabalho e afirmou estar
"orgulhoso" do experimento, agregando que as gêmeas serão monitoradas
nos próximos 18 anos.
Em geral, a edição genética tem o potencial de prevenir que
doenças hereditárias sejam transmitidas de pais para filhos, por meio da edição
de códigos nos embriões.
Mas especialistas temem que modificações em genomas de
embriões não apenas causem danos aos indivíduos, mas levem futuras gerações a
herdar essas modificações de efeito ainda pouco conhecido.
Fonte | BBC BRASIL
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