Quatro linhagens paternas fundadoras, descendentes de
asiáticos, deram origem a todos os povos americanos pré-colombianos.
Esta é a principal conclusão de um estudo de um grupo de
pesquisadores de Brasil, Reino Unido, Alemanha, Peru, Equador e Bolívia,
liderados pelo Laboratório de Biodiversidade e Evolução Molecular (LBEM) da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
O artigo foi publicado nesta quinta-feira na renomada
revista científica Current Biology.
A história começa quando povos da Sibéria que chegaram à
Beríngia - ponte de terra localizada onde hoje está o Estreito de Bering, que
ligava a Ásia ao Alasca durante as glaciações (a última entre 22 e 7 mil atrás)
- há cerca de 20 mil e lá permaneceram por um período de 2.700 a 4.600 anos,
durante o qual se diversificaram nas quatro linhagens.
Depois, há 16 mil anos, começaram a ocupação das Américas,
que foi rápida, pois há 14 mil anos já havia pessoas no sul do continente e
provavelmente no Brasil.
O trabalho reconstrói a história inicial do povoamento das
Américas e a posterior ocupação dos diferentes ambientes do continente pelo
ancestrais dos atuais indígenas americanos. Para isso, os cientistas usaram
genomas do cromossomo Y, só presente nos indivíduos do sexo masculino, de 24
indígenas sul-americanos de diferentes etnias e localidades geográficas do
Brasil, Peru, Bolívia e Equador.
"No total, analisamos 222 cromossomos Y completos, os
24 obtidos por nós e o restante da literatura", conta Thomaz Pinotti,
pós-graduando em genética da UFMG e autor principal do artigo.
Descobertas inéditas
De acordo com ele, o grupo utilizou mais de 13 mil variantes
genéticas (que são chamadas de SNPs - Single Nucleotide Polymorphisms), para
reconstruir a relação entre as linhagens, obtendo assim resultados
consistentes.
"Desses 13 mil, 472 são novos, descobertos por nós, e
definem as populações indígenas das Américas", diz.
Seu orientador, Fabrício Santos, também da UFMG, explica que
essa grande quantidade de dados foi comparada a todos os já publicados de
populações nativas americanas e algumas da Eurásia, principalmente da Sibéria.
"O objetivo era identificar genealogias paternas
informativas sobre o processo de povoamento pré-colombiano das Américas",
diz. "Isto é, para reconstrução da história dos ancestrais dos indígenas
americanos."
Segundo Santos, esse é o estudo mais abrangente em termos de
dados de cromossomo Y de populações indígenas americanas, que incluíram também
dados genômicos de amostras antigas (material arqueológico e de museus).
"Identificamos as quatro principais linhagens
fundadoras da população nativa americana, incluindo uma principal que está
presente em mais de 80% de todos os indígenas americanos modernos",
explica.
"Os dados permitiram um detalhamento mais preciso dos
processos demográficos relacionados a essas linhagens fundadoras, incluindo
datação de eventos de entrada no continente americano e dos processos de
diversificação na Beríngia, identificação de uma rápida expansão populacional
relacionada a uma hipótese de povoamento costeiro até a América do Sul."
Diferentes rotas
O cenário que se desenha a partir dessas descobertas inclui
duas entradas em dois momentos diferentes de ancestrais dos índios atuais nas
Américas.
"Os primeiros povos chegaram da Beríngia há pelo menos
15 ou 16 mil anos (máximo de 19,5 mil anos atrás) por uma rota costeira no
Pacífico, com barquinho, que estava livre de geleiras, ocupando áreas do
interior das Américas a partir da costa daquele oceano, até a América do
Sul", explica Santos. "O continente foi totalmente povoado já nessa
primeira dispersão de humanos."
Depois, entre 14 e 12 mil anos atrás as geleiras derreteram,
o que possibilitou uma segunda entrada de beringianos, agora pelo centro do
continente e a pé, rumo ao sul.
"O que é importante ressaltar é que estas duas entradas
em tempos diferentes devem ter sido por povos com costumes também
diferentes", diz Santos. "Os primeiros teria hábitos costeiros,
usavam barcos pequenos, que possibilitaram chegar rapidamente até América do
Sul. Os demais eram típicos caçadores-coletores que migraram a pé."
De acordo com Pinotti, apesar das diferenças de costumes
entre os caçadores-coletores generalistas que chegaram pela costa e os
especializados em caça que vieram pelo centro, eles são bem próximos
geneticamente. Mas além deles, veio mais gente, mais tarde.
"No norte da América do Norte, existe decisivamente
evidência de contribuição genética de duas ou três populações asiáticas extras,
que chegaram entre 1 e 8 mil anos atrás - a mais recente delas dando origem aos
atuais inuítes", explica.
Hipóteses sobre as origens
Esse modelo proposto pelo grupo se junta a outras teorias
que tentam explicar a ocupação humana das Américas. Há desde as que afirmam que
o evento ocorreu há cerca de 12 mil anos até as que apostam em 100 mil anos ou
mais.
A hipótese mais antiga, e que permaneceu como a mais aceita
por mais tempo, é a conhecida em inglês como Clovis-first (Clóvis-primeiro),
nome de um sítio arqueológico descoberto em 1939, no Estados Unidos, no qual
foram encontradas pontas de flechas feitas de pedra datadas de 11,4 mil anos.
Segundo essa hipótese, a chegada teria ocorrido há cerca de
12 mil anos. Hoje, essa teoria está descreditada, por causa de novas
descobertas arqueológicas, como o sítio Monte Verde, no Chile, onde foram
encontrados resquícios humanos com mais de 12.500 anos - anteriores, portanto,
à cultura Clóvis.
Em novembro deste ano, um grupo internacional de
pesquisadores, do qual fez parte o brasileiro André Strauss, da Universidade de
São Puulo (USP), publicou um artigo propondo um novo modelo. De acordo com ele,
todos os indígenas das Américas descendem de uma única população que chegou ao
Novo Mundo vinda do leste asiático, através do estreito de Bering, há cerca de
20 mil anos.
Segundo esta hipótese, há 16 mil anos essa população
primária se dispersou rapidamente por todo o continente americano, tendo
alcançado até mesmo o sul do Chile há cerca de 14 mil anos.
"Em algumas regiões do continente, como no sul do
Brasil, esses grupos originários permaneceram majoritariamente inalterados até
o contato europeu - caracterizando uma impressionante continuidade
demográfica", disse Strauss, na ocasião.
Agora, ele classifica o estudo divulgado hoje de
"sólido e da mais alta qualidade", cujos resultados "são
convergentes" com a hipótese do seu grupo.
"Numa perspectiva mais ampla, os dois trabalhos indicam
que houve um único evento fundador das populações nativas americanas",
diz.
Pinotti reconhece que o trabalho de que participou não acaba
com as dúvidas e as incerteza sobre a chegada dos primeiros americanos.
"Quanto mais olhamos, mais complexa a situação
fica", diz. "Já há especialistas que agora até contestam à rota
costeira, e dizem ser possível uma chegada por terra inicial. Temos algumas
certezas, no entanto, como a origem asiática e uma ocupação pré-Clóvis. Mas
nada que uma ponta de flecha em um lugar errado ou uma datação mais precisa de
um osso não possam colocar tudo abaixo."
Via | BBCBRASIL
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