Sem dinheiro, Brasil corre risco de ficar sem cientistas na Antártida
Perto de inaugurar nova estação de pesquisas, pesquisadores
não têm verbas para manter seus trabalhos no continente de gelo
Está em ritmo avançado a construção de uma moderna estação
de pesquisas na Antártida. Depois de um incêndio que destruiu 70% da estação
Comandante Ferraz em 2012, o novo centro de pesquisas com área de 4,5 mil m²,
quase o dobro da anterior, com 14 laboratórios e 64 pessoas, deve ser
inaugurada em 2019. Tudo muito legal, não fosse um detalhe: ela corre o risco
de ficar sem cientistas.
“Seria uma casa vazia”, desabafa Jefferson Simões,
vice-presidente do Comitê Científico para Pesquisas Antárticas (SCAR), um órgão
do Conselho Internacional para Ciência. Com custo inicial previsto de US$ 99,6
milhões (o equivalente a R$ 330 milhões em cotação do dia 23/03/2018), tinha
entrega marcada para março deste ano. Alguns imprevistos, porém, provocaram um
atraso nas obras, além de um aumento nos custos que devem ultrapassar os R$ 400
milhões.
A construção está sendo toda custeada pelo Ministério da
Defesa. “Temos um parceiro rico, que é a Defesa, e um pobre, que deixou os
cientistas na mão”, conta Simões, em entrevista à GALILEU, se referindo ao
Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC). Em 2013 o
governo lançou um edital de R$ 19 milhões para custear as pesquisas científicas
no continente gelado. O dinheiro deveria durar três anos, com a chamada de um
novo edital para 2016.
Acontece que nenhum planejamento para liberar verbas
aconteceu em 2016. Chegou 2017 e nada também. Estamos em março de 2018, e nem
um sinal de um novo chamado. A demanda é de R$ 20 milhões para três anos. “É
muito pouco”, diz Simões. Para efeito de comparação, somente em 2017 a União
gastou R$ 817 milhões com auxílio-moradia nos três poderes.
Dessa forma, caso a grana não seja disponibilizada, boa
parte das pesquisas devem ser encerradas em julho deste ano por falta de
pessoal. É o que denuncia uma carta aberta assinada por 18 cientistas líderes
de grupos de pesquisa do Programa Antártico
Brasileiro (PROANTAR) entregue ao ministro do MCTIC,
Gilberto Kassab (PSD-SP), e ao comandante da Marinha do Brasil,
almirante-de-esquadra Eduardo Barcellar Leal Ferreira.
Se um novo edital não for lançado até o final do ano, o
grupo não terá verbas para mandar novos cientistas para a Antártida para a
temporada de verão 2017/2018, quando a atividade de pesquisa é mais intensa.
Seria o fim dos 36 anos de participação da comunidade científica brasileira no
programa antártico.
A questão é séria. A importância do continente vai muito
além de suas dimensões. “O sistema climático global, a circulação da atmosfera
e dos oceanos, é basicamente a transferência de energia dos trópicos para as
regiões polares”, explica. “Se nós quisermos fazer modelos climáticos, entender
o que está ocorrendo com as mudanças climáticas, fazer previsão meteorológica
do Brasil, a Antártida é tão importante quanto a Amazônia”.
Mas tem mais. “Nós achamos recentemente uma quantidade
enorme de lagos subglaciais, sob até 4 mil metros de gelo, onde pode ter vida e
ser modelo para a busca de vida extraterrestre”, afirma Simões.
A questão também é geopolítica. Os 13,6 milhões de
quilômetros da Antártida, mais a parte do Oceano Austral, terrritórios sob a
responsabilidade do Brasil, corresponde à 7% do planeta Terra. Para manter esse
controle, porém, o Tratado da Antártida, ao qual o país aderiu em 1975,
determina que é necessário estar fazendo ciência.
“Se o Brasil quer perder esse direito, 7% do planeta, é só
parar o programa. Mas a relação-custo benefício é muito pouco”, ironiza. “O
Brasil não ter R$ 20 milhões em três anos é uma situação ridícula.”
De nada adianta ter a nova estação Ferraz. “É um erro de
prioridades. Um contra-senso. Não vai adiantar nada ter uma estação sem cientistas.
É uma casa vazia. Casa vazia não faz ciência”, afirma.
Vale lembrar que apenas cerca de 20% da produção científica
é realizada nessa estação. O restante é feito em acampamentos, à bordo do navio
Almirante Maximiano, e na Criosfera 1, é
o primeiro módulo científico brasileiro instalado no interior do continente
antártico, a 2,5 mil km ao sul da Comandante Ferraz.
“Fazer um investimento na infraestrutura sem ter cientistas
não faz sentido. Estão anulando bolsas de R$ 400 por mês. É piada. Mas, antes
de tudo, incompetência de gestão”, finaliza Simões.
Em nota enviada ao site Direto da Ciência, o ministério
informa que "o Conselho Diretor do Fundo Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico, em reunião, aprovou recursos adicionais para o
Proantar no valor de R$ 7 milhões para os próximos três anos". A pasta
afirma ter liberado ainda aproximadamente R$ 4 milhões para obras e aquisição
de material para pesquisas no navio polar Almirante Maximiano e no navio de
apoio oceanográfico Ary Rongel.
Via | Galileu
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