Pesquisadores da UFRJ começaram a recrutar pacientes para o
primeiro ensaio clínico da polilaminina, substância que estudos anteriores em
animais mostraram ser capaz de promover a regeneração de nervos danificados. A
ideia é aplicar a polilaminina em pessoas que cheguem aos hospitais
participantes — Sousa Aguiar, no Centro do Rio, e Azevedo Lima, em Niterói —
com lesões na medula para ver se é possível também reduzir as sequelas ou mesmo
evitar a paralisia provocada por esse tipo de trauma em humanos.
— Nos testes com ratos vimos que, quando as lesões foram
moderadas, como a compressão da medula, eles recuperaram totalmente os
movimentos. Já quando a transecção (corte) da medula foi completa, a
recuperação foi menor — conta Tatiana Sampaio, chefe do Laboratório de Biologia
da Matriz Extracelular do Instituto de Ciências Biológicas da UFRJ, responsável
pelo experimento. — Mas nossa expectativa é observar uma melhora motora
significativa dos pacientes recrutados, incluindo a possibilidade de voltarem a
andar. Dependendo do tipo de lesão e do acompanhamento posterior com
neurologistas, fisioterapia etc., isso pode acontecer, sim.
Tatiana explica que a escolha de hospitais especializados em
atendimentos de emergência de traumas para esse primeiro ensaio clínico se
deveu ao fato de os estudos anteriores com animais terem demonstrado que,
quanto mais rápida for a aplicação da polilaminina após a lesão, melhores os
resultados. Para participar do experimento, limitado a 20 pacientes, no
entanto, as vítimas das lesões devem se encaixar em uma série de critérios:
elas não podem ser politraumatizadas, isto é, apresentar vários ferimentos,
basicamente só a lesão na medula; devem ter entre 18 e 60 anos de idade; não
sofrer com doenças neurológicas; a lesão deve ser entre a quinta vértebra
cervical (C5) e a última vértebra torácica (T12); e, por fim, a lesão deve ser
considerada completa clinicamente, isto é, o paciente não deve ser capaz de
movimentar nem apresentar nenhuma sensibilidade abaixo do local do dano na medula.
— Incluímos esse último critério porque cerca de 15% dos
pacientes que ainda têm alguma sensibilidade após a lesão na medula voltam
naturalmente a recuperar os movimentos, então não saberíamos dizer se a
recuperação foi provocada pelo tratamento com a polilaminina ou natural —
complementa a pesquisadora, acrescentando que, caso se encaixem nesses
critérios estritos, os voluntários deverão receber injeção da substância no
local lesionado no prazo máximo de três dias.
Ainda segundo Tatiana, a decisão de limitar esse ensaio
clínico inicial a apenas 20 pacientes se deve a diversas dificuldades para sua
realização com as devidas segurança e presteza de forma a avançar com as
pesquisas em torno do uso da polilaminina em humanos também o mais rápido
possível. Isso porque, de acordo com o protocolo do experimento aprovado pela
Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), os pacientes deverão ser
acompanhados durante um ano por uma equipe multidisciplinar composta por
médicos de diversas especialidades, fisioterapeutas e outros profissionais.
— É um acompanhamento longo, e depois temos que fechar os
resultados e publicá-los. Se fôssemos fazer com mais que isso, ficaríamos
eternamente nesse experimento — diz. — Então decidimos fazer um experimento
menor, e depois fazemos outro maior.
Assim, o ensaio clínico atual é classificado como sendo do
que são conhecidas como fases um e dois desse tipo de experiência. Normalmente,
essas fases são conduzidas em separado, com a primeira testando basicamente a
segurança da administração de uma substância em um pequeno grupo de voluntários
saudáveis, e a segunda já abordando sua eventual eficácia também em um pequeno
grupo de pessoas vítimas do que quer que ela se proponha a tratar ou curar.
Nesse caso, porém, essas fases foram agrupadas, já que seria “eticamente
impensável” injetar a polilaminina na medula de pessoas sem lesões, lembra
Tatiana.
— Já fizemos os testes de segurança e tolerância em animais,
ratos e cães — esclarece a pesquisadora. — Monitoramos eles e não observamos
nenhum efeito deletério neurológico, no sangue ou hepático, o que nos deu
confiança e subsídios para dar início aos testes com humanos.
Já uma eventual fase três do ensaio clínico — que geralmente
expande as avaliações sobre a eficácia de uma substância a centenas ou mesmo
milhares de pacientes, além de procurar por possíveis efeitos colaterais ou
reações indesejadas, e é a última antes de um novo remédio ou tratamento ser
levado para aprovação das autoridades de vigilância sanitária — vai depender não
só de bons resultados no experimento inicial como de uma parceria com alguma
empresa farmacêutica ou instituição interessada, já que o laboratório chefiado
por Tatiana, e mesmo a UFRJ, detentora da patente da polilaminina e seu
processo de fabricação, não dispõem dos recursos necessários para esse tipo de
investimento.
— Não é problema do custo de produção da droga, que é
relativamente barata, mas as dificuldades logísticas que tudo isso envolve —
destaca.
E, de fato, estas dificuldades não são poucas, como mostra o
tempo que Tatiana e sua equipe levaram para conseguir realizar este primeiro
ensaio clínico. O estudo com ratos que demonstrou o potencial de regeneração da
medula pela substância foi publicado ainda em 2010, mas apenas há dois anos o
experimento foi aprovado pelo Conep e só agora ele está começando.
– Esta demora foi devido a esta questão de logística, pois
tivemos que adquirir competências e montar a equipe multidisciplinar com
especialistas de diversas áreas que vai acompanhar o ensaio – conta. – E estas
pessoas ainda por cima têm que estar dispostas a trabalhar de graça, pois não
há remuneração pela participação. Já depois da aprovação do Conep o problema
passou a ser o sistema de saúde do Rio de Janeiro, com os diretores de dois
hospitais que a princípio participariam do ensaio recuando. Então, finalmente
só agora estamos começando a recrutar pacientes.
E, embora o ensaio clínico foque apenas o uso da
polilaminina no tratamento de lesões recentes, estudos já realizados por
Tatiana e colegas apontam outras potenciais aplicações da substância. Segundo
ela, os testes com animais revelaram que em alguns casos as injeções também
podem promover a recuperação de lesões antigas nos nervos, mas ainda não há
perspectivas de quando — e se — essa capacidade será avaliada em humanos.
Por fim, estudo publicado recentemente pelo grupo num
prestigiado periódico científico da área de neurociências, o “Journal of
Neuroscience”, mostrou que a laminina está presente em chamados “nichos” no
cérebro que abrigam células-tronco responsáveis pela formação de novos
neurônios ao longo de praticamente toda a vida de uma pessoa, a chamada
neurogênese. Com isso, abre-se caminho para pesquisas sobre o uso da substância
também no tratamento de doenças neurodegenerativas como Alzheimer e Parkinson,
marcadas pela morte dos neurônios. Assim, mesmo que não consiga curar esses
males, a polilaminina poderia ajudar a frear seu progresso e sintomas com o
estímulo à produção de novos neurônios nesses “nichos”.
Via | O Globo
Comentários
Postar um comentário