A notícia é boa para países pobres, que sofrem com doenças
fáceis de curar. Mas em longo prazo, cria bactérias resistentes a medicamentos
Uma análise das vendas de remédios em 76 países revelou que
o uso de antibióticos ao redor do globo subiu em média 65% entre 2000 e 2015. O
aumento foi impulsionado principalmente pela população de países de renda per
capita mais baixa – que continua ficando doente por causa do saneamento básico
precário, mas passou a ter acesso às drogas graças a uma pequena melhora nos
indicadores socioeconômicos.
É claro que essa é, em curto prazo, uma notícia boa. A
diarreia, por exemplo – que é relativamente fácil de prevenir e tratar em
países desenvolvidos – é a segunda maior causa de morte entre crianças pobres
menores de cinco anos, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). Ao
longo dos anos, porém, a tendência é que as bactérias causadoras das doenças
mais comuns, de tanto entrar em contato com os medicamentos, se tornem
resistentes a eles – e parem de reagir ao tratamento. Aumentar do consumo de
antibióticos é jogar mais lenha na fogueira desse processo, que já acontece.
É importante entender esse requinte de crueldade da seleção
natural. Logo que os antibióticos entraram em circulação, nenhuma bactéria
vinha de fábrica preparada para se defender deles. Elas eram dizimadas.
Acontece que bactérias se reproduzem rápido e em grande quantidade: em certas
condições, o intervalo entre duas gerações de E. coli é de meia hora. Em
questão de dias, uma colônia que começou com um único indivíduo já contém
milhares de clones dele. E, no meio de tantos exemplares, um ou dois
inevitavelmente virão de fábrica com erros no DNA.
Na maior parte das vezes, esses erros são ruins. Fatais. Mas
volta e meia uma dessas mutações se mostra benéfica para seu portador,
permitindo, por exemplo, a produção de uma proteína que combate o princípio
ativo de um antibiótico específico. Bingo: essa bactéria premiada pela loteria
da vida vai prosperar enquanto suas colegas morrem – e, de quebra, tornar
inútil o medicamento que a combatia. É assim que aparecem as superbactérias – micro-organismos
resistentes a todos os medicamentos disponíveis.
“A resistência contra antibióticos é um problema de saúde
global, que compromete seriamente o progresso da medicina moderna”, afirmou no
ano passado Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor geral da OMS. “Há uma
necessidade urgente de maiores investimentos em pesquisa e desenvolvimento de
medicamentos para infecções resistentes como a tuberculose, ou nós seremos
forçados a voltar a um tempo em que as pessoas tinham medo de doenças comuns e
arriscavam suas vidas mesmo em cirurgias pouco preocupantes.” 250 mil pessoas
morrem todos os anos após contraírem uma versão resistente do bacilo de Koch,
causador da tuberculose.
É claro que não se pode culpar as pessoas de nações
subdesenvolvidas por elas finalmente terem a oportunidade de se tratar. A parte
mais grave do problema ainda são as pessoas de renda mais alta, que consomem
antibióticos a torto e direito, mesmo quando não há necessidade. Nos países
pobres, o número de doses consumidas anualmente a cada mil pessoas subiu de 7,6
para 13,5 nos 16 anos da análise. Nos países ricos, atingiu 24,5. Quase o
dobro. Segundo um relatório do mês passado,
59% dos britânicos que têm uma inflamação na garganta saem do consultório
com uma receita de antibiótico, mas só 13% realmente precisam dele.
A solução é investir em saúde pública e saneamento nos
países que ainda não foram atingidos pela febre dos antibióticos – e mudar a
cultura de prescrição em massa dessas drogas em países que já abusam delas. As
duas mudanças, porém, encaram enormes barreiras. Nesse meio tempo, o jeito é
correr atrás de remédios novos. Que ainda consigam pegar as bactérias de
surpresa.
Via | Superinteressante
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