As partes em azul escuro são feixes de colágeno fibrilar. Na
imagem à direita, as fibras de elastina são as manchas pretas; as estruturas de
colágeno estão em rosa
Ele sempre esteve ali, mas foi apenas por meio de uma
tecnologia mais avançada que os cientistas finalmente puderam identificá-lo: um
espaço repleto de cavidades preenchidas por líquido, presente entre os tecidos
do nosso corpo - por isso, chamado de intersticial (entre tecidos). Um grupo de
especialistas o classifica como um novo órgão do corpo humano, "uma nova
expansão e especificação do conceito de interstício humano".
Paradoxalmente, apesar de ter sido descoberto apenas agora,
o intertício pode ser nada menos do que um dos maiores órgãos do corpo humano,
assim como a pele. Os cientistas afirmam que essa rede de cavidades de colágeno
e elastina, cheia de líquido, reuniria mais de um quinto de todo o fluído do
organismo.
A descoberta foi feita por uma equipe de patologistas da
Escola de Medicina da Universidade de Nova York (NYU), Estados Unidos. Os
resultados foram publicados na revista Scientific Reports.
Antes, se acreditava que essas camadas intersticiais do
corpo humano fossem formadas por um tecido conjuntivo denso e sólido. Mas, na
realidade, elas estão interconectadas entre si, através de compartimentos
cheios de líquidos.
Estes tecidos ficam localizados debaixo da pele, recobrem o
tubo digestivo, os pulmões e o sistema urinário, rodeiam as artérias, veias e
fáscia (estrutura fibrosa onde se fixam músculos). Ou seja, são uma estrutura
que se extende por todo o corpo.
Os pesquisadores acreditam que esta estrutura anatômica pode
ser importante para explicar a metástase do câncer, o edema, a fibrose e o
funcionamento mecânico de tecidos e órgãos do corpo humano.
A camada de cima é a mucosa; as partes rosas são as
estruturas de colágeno que criam as cavidades cheias de fluído (representado
pela cor lilás)
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Como não havia sido descoberto até agora?
Essas estruturas não são visíveis com nenhum dos métodos
padrões de visualização da anatomia humana. Agora, os cientistas puderam
identificar esse novo "órgão" graças aos avanços tecnológicos da
endomicroscopia ao vivo, que mostra em tempo real a histologia e estrutura dos
tecidos.
De qualquer forma, a descoberta foi uma surpresa.
A equipe de investigadores fez, em 2015, uma operação com
endomicroscopia a laser - uma tecnologia chamada Confocal Laser Endomicroscopy
(pCLE) - para examinar o conduto biliar de um paciente com câncer. Depois de
uma injeção de uma substância corante chamada fluoresceína, foi possível ver
"um padrão reticular com seios (ocos) cheios de fluoresceína, que não
tinham nenhuma correlação anatômica".
Em seguida, os cientistas tentaram examinar mais
detalhadamente essa estrutura. Para isso, usaram placas microscópicas de
biópsia habitual. Porém, as estruturas haviam desaparecido.
Depois de fazer vários testes, Neil Theise, coautor do
estudo, se deu conta de que o processo convencional de fixação de amostras de
tecidos em placas drenava o fluído presente na estrutura. Normalmente, os cientistas
tratam as amostras com produtos químicos, as cortam em uma camada muito fina e
aplicam tinta para realçar suas características chave. Porém, esse procedimento
faz colapsar a rede de compartimentos, antes cheios de líquidos. É como se os
pisos de um edifício desmoronassem.
Por isso, "durante décadas, (a estrutura) pareceu como
algo sólido nas placas de biópsia", disse Theise, que faz parte do
departamento de patologia da Universidade de Nova York.
Ao mudar a técnica de fazer a biópsia, sua equipe conseguiu
preservar a anatomia da estrutura, "demonstrando que ela forma parte da
submucosa e que é um espaço intersticial cheio de fluído não observado
anteriormente". Assim, foram identificadas "tiras largas e escuras
ramificadas, rodeadas de espaços grandes e poligonais cheios de
fluoresceína", descreve o estudo.
Os cientistas confirmaram a existência dessa estrutura em
outros 12 pacientes operados.
Qual é sua função?
Até agora a ciência não estudou profundamente nem o fluxo
nem o volume do fluído interticial do corpo humano. Por enquanto, a
identificação desse "espaço intersticial" levanta várias hipóteses.
Os especialistas acreditam que essa rede de espaços
interconectados, forte e elástica, pode atuar como um amortecedor para evitar
que os tecidos do corpo se rasguem com o funcionamento diário - que faz com que
os órgãos, músculos e vasos sanguíneos se contraiam e se expandam
constantemente.
Além disso, acreditam que essa rede de cavidades é como uma
pista expressa para os fluídos. Isso poderia embasar a hipótese de que o
câncer, ao atingir o espaço intersticial, possa se expandir pelo corpo muito
rapidamente. É a chamada metástase.
Por outro lado, os autores do estudo acreditam que as
células que formam o interstício mudam com a idade, podendo contribuir com o
enrugamento da pele e com o endurecimento das extremidades, assim como a
progressão de doenças fibróticas, escleródios e inflamatórias.
Via | bbc
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