Antigos grupos de hominídeos caçadores-coletores
desenvolveram novos comportamentos e tecnologias em resposta a alterações no
ambiente
Três artigos científicos interligados publicados nesta
quinta-feira na revista “Science” relacionam mudanças climáticas e ambientais
ocorridas no Leste da África a partir de cerca de 800 mil anos atrás a
alterações nos padrões de comportamento e o desenvolvimento de novas
tecnologias por grupos de hominídeos caçadores-coletores que habitavam a
região, em especial desde 320 mil anos atrás, época que logo precedeu ou
coincidiu com o surgimento dos humanos modernos (Homo sapiens). Os achados
reforçam a noção de que a evolução de nossa espécie foi altamente influenciada
por modificações no ambiente deflagradas por um período de grande variabilidade
climática na área que se acredita ter sido o “berço da Humanidade”.
Segundo os pesquisadores, análises dos sedimentos
encontrados na Bacia de Olorgesailie, no Quênia, mostram que há aproximadamente
800 mil anos a região começou a experimentar flutuações entre climas úmidos e
secos que transformaram a área, antes tomada na maior parte por planícies
inundadas e várzeas, numa vasta savana. Com isso, a fauna mamífera também
sofreu grandes transformações, com os registros fósseis apontando a extinção de
espécies pastejadoras de grande porte de animais relacionados aos atuais
elefantes, alces, equinos e bovinos, e sua substituição por "versões"
menores delas, o que os pesquisadores dizem ser mais um sinal da enorme
instabilidade climática que atingiu a região ao longo de dezenas de milhares de
anos.
Além disso, escavações arqueológicas em Olorgesailie
trouxeram à tona os mais antigos exemplares conhecidos de ferramentas com
características da chamada Média Idade da Pedra, mais “avançadas” que as de
épocas anteriores. Alguns destes artefatos também foram feitos com materiais
não disponíveis na área que eram inclusive estocados na sua forma bruta, numa
indicação tanto de uma maior mobilidade dos grupos de caçadores-coletores —
forçados a ir mais longe ou mudarem seus acampamentos com maior frequência para
buscar comida em tempos de crescente insegurança alimentar devido à
instabilidade climática e suas consequências ambientais —, quanto de uma
ampliação das redes de relação e comércio entre os diferentes grupos que lá
habitavam. Por fim, os cientistas ainda encontraram evidências da fabricação e
uso de pigmentos e corantes por estes grupos, sinais de desenvolvimento de uma
cultura simbólica relativamente sofisticada.
— Esta mudança para um conjunto de comportamentos muito
sofisticados que envolviam maiores habilidade mentais e vidas sociais mais
complexas talvez tenha sido a ponta de lança que distinguiu nossa linhagem de
outros humanos arcaicos — resume Rick Potts, diretor do Programa de Origens
Humanas do Museu Nacional de História Natural do Instituto Smithsonian, nos
EUA, que há mais de 30 anos lidera estudos em Olorgesailie em parceria com
museus quenianos e é principal autor de um dos artigos publicados ontem na
“Science”.
A ocupação humana da região de Olorgesailie remonta em cerca
de 1,2 milhão de anos, evidenciada por fósseis de Homo erectus, uma espécie
arcaica de hominídeo, lá encontrados anteriormente. Os registros arqueológicos
mostram ainda que ao longo de centenas de milhares de anos os habitantes da
área fabricavam e usavam grandes ferramentas de pedra, como machados
primitivos. Mas, a partir de 2002, Potts e sua equipe começaram a desencavar
uma grande variedade de artefatos menores e melhor trabalhados que estes
machados de uso genérico. Entre eles estavam pontas afiadas que poderiam ser encaixadas
em hastes e usadas como armas de lançamento e outros com formato de raspadeiras
e cinzéis, datados de entre 320 mil e 305 mil anos atrás, pelo menos 20 mil
anos mais velhos que os que até então eram os mais antigos exemplares de
tecnologia da Média Idade da Pedra já encontrados.
Materiais vindos de longe
Os achados surpreendentes, no entanto, não pararam aí.
Muitos destes artefatos mais sofisticados foram produzidos de um tipo de pedra
de origem vulcânica conhecida como obsidiana, material do qual também foram
encontrados pedaços maiores e não trabalhados na área. Mas não existem fontes
de obsidiana em Olorgesailie, e análises da composição química dos artefatos
verificaram que as pedras vieram de depósitos espalhados em múltiplas direções
da região, a distâncias que variam de 24 quilômetros a quase 90 quilômetros, o
que sugere a existência de uma ampla rede de exploração e comércio do material
então. O sítio também revelou rochas pretas e marrom-avermelhadas – manganês e
ocre – com evidências de processamento para fazer pigmentos.
— O transporte de obsidiana e a coleta e produção de
pigmentos implicam num desenvolvimento primevo de redes sociais conectando
integrantes de nossa espécie ao longo de distâncias maiores — diz Alison Brooks,
professora de antropologia da Universidade George Washington, também nos EUA, e
principal autora do artigo do trio na “Science” que analisa os sinais de que os
habitantes da região formavam uma sociedade mais complexa naquela época. —
Estas práticas são características de nossa espécie na comparação com as de
nossos parentes primatas mais próximos, e não são sugeridas pelos registros
materiais de épocas anteriores da Idade da Pedra em Olorgesailie.
Diante disso, os pesquisadores acreditam que as mudanças
climáticas e ambientais de então colaboraram não só para a evolução dos humanos
modernos na África como para que sobrevivessem a elas.
— Estas inovações no comportamento podem muito bem
representar uma resposta às rápidas mudanças no ambiente — conclui Tyler Faith,
curador de arqueologia no Museu de História Natural do estado americano de
Utah, professor de antropologia da Universidade de Utah e um dos coautores do
artigo na “Science” liderado por Potts. — Tal resposta teria ajudado as
populações humanas a enfrentarem as mudanças climáticas e ambientais que
provavelmente contribuíram para a extinção de muitas outras espécies na região.
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