A teoria da evolução sugere que as espécies que se
reproduzem de forma assexuada tendem a desaparecer rapidamente, uma vez que seu
genoma acumula mutações mortais ao longo do tempo.
Mas um estudo sobre um peixe lançou dúvidas sobre a
velocidade desse declínio.
Apesar de milhares de anos de reprodução assexuada, o genoma
da molinésia-amazona (amazon molly, em inglês), que vive no México e no sul dos
Estados Unidos, é notavelmente estável e a espécie sobreviveu.
Os detalhes do trabalho foram publicados na revista Nature
Ecology and Evolution.
Há dois caminhos fundamentais pelos quais espécies se
reproduzem - a forma sexuada e a assexuada.
A reprodução sexuada depende de células especiais
reprodutivas masculinas e femininas, como os óvulos e os espermatozoides,
juntando-se durante o processo de fertilização.
Cada célula sexual contém metade do número de cromossomos
das células parentais normais. Depois da fertilização, quando o óvulo e o
espermatozóide se fundem, o número normal do cromossomo celular é reintegrado.
A reprodução assexuada é diferente.
Uma vida nasce do celibato
Em vez de criar uma nova geração misturando medidas iguais
de DNA das mães e dos pais, a reprodução assexuada dispensa o macho e, em vez
disso, cria novos descendentes contendo uma cópia exata do genoma da mãe - uma
clonagem materna natural.
Essa é uma maneira incrivelmente eficiente de criar uma nova
vida. Ao não desperdiçar material genético na criação de machos, todos os
descendentes nascidos a partir da reprodução assexuada podem continuar se
reproduzindo.
Mas há um ponto negativo. Como os descendentes são fac-símiles
genéticos da mãe, eles apresentam uma variabilidade limitada.
E a variabilidade genética pode proporcionar uma grande
vantagem. É justamente o que permite que as populações respondam e superem as
mudanças no meio ambiente e outras pressões seletivas, ao permitir a
sobrevivência dos mais adaptados.
A reprodução sexuada proporciona um grande espaço para gerar
essa variabilidade genética, quando os pedaços de cromossomos individuais se
recombinam assim que os óvulos e os espermatozoides se fundem e formam
combinações únicas de cromossomos.
Outra vantagem da reprodução sexuada é que as mutações
nocivas, que se acumulam naturalmente ao longo do tempo, são diluídas e seus
efeitos anulados durante essa mistura genética.
Já os organismos que dependem da reprodução assexuada são
propensos a perder essas vantagens.
O professor Manfred Schartl, da Universidade de Würzburg, é
um dos principais autores do estudo e diz: "As previsões teóricas eram que
uma espécie assexuada passaria por decomposição genômica e acumularia muitas
mutações ruins e, sendo clonada, não seria possível depender da diversidade
genética para reagir a novos parasitas ou outras mudanças no meio
ambiente."
"Havia previsões teóricas de que um organismo assexual
desapareceria depois de cerca de 20 mil gerações".
Nos círculos da biologia evolutiva, essa acumulação gradual
e fatal de mutações mortais é conhecida como "catraca de Muller", em
homenagem ao cientista vencedor do prêmio Nobel Hermann Muller, que desenvolveu
a teoria.
Mas o último estudo sobre a estabilidade a longo prazo do
genoma da molinésia-amazona lançou algumas novas descobertas surpreendentes
sobre o potencial custo da reprodução assexuada.
Derrubando as probabilidades
Acredita-se que o peixe molinésia-amazona seja um híbrido
surgido após a reprodução entre duas espécies de peixes aparentados - o
molinésia do Atlântico e o molinésia de Sailfin.
É um dos poucos animais vertebrados que se reproduzem de
maneira assexuada.
A molinésia fêmea amazona pode se reproduzir apenas ao ser
exposta ao esperma de uma espécie relacionada de molinésia, mas o DNA do
espermatozoide geralmente não se aproxima dos descendentes.
Para definir o impacto desse estilo de vida celibatário, a
equipe de pesquisadores comparou as sequências do genoma da molinésia-amazona
aos coletados em vários locais, como o México e o Estado do Texas, nos EUA.
Usando as sequências do genoma, a equipe de pesquisadores
conseguiu construir uma árvore genealógica.
A árvore mostrou que todos os peixes compartilharam o mesmo
antepassado e que o peixe progenitor nadou em águas americanas há cerca de 100
mil anos.
Sobrevivente persistente
A molinésia-amazona sobrevive há cerca de meio milhão de
gerações - muito além do que a teoria sugeria.
Mas não foi só isso. Quando os cientistas procuraram
indícios de decadência genômica a longo prazo, havia muito poucos, como o
professor Schartl explicou:
"O que encontramos é que esse peixe preservou seu
genoma híbrido e o que sabemos da criação de plantas ou animais é que, quando
tentamos fazer algo melhor, criamos um híbrido".
E ele acha que é esse "vigor híbrido" que sustenta
a sobrevivência persistente da molinésia-amazona.
"O que a natureza tem feito é criar desde o início um
bom híbrido, que prosperou".
"É claro que há mutações, mas o que sentimos e que não
foi levado em consideração é que a evolução eliminará as mutações deletérias e
somente aqueles que se tornam melhores, com boas mutações, prosperarão".
Ao comentar o trabalho, Laurence Loewe, professor assistente
no Instituto para a Descoberta de Wisconsin, da Universidade de
Wisconsin-Madison, disse à BBC:
"Normalmente, as espécies sem recombinação regular não
são muito duradouras na forma evolutiva. No entanto, a molinésia-amazona parece
ter encontrado uma maneira de sobreviver por um tempo surpreendentemente longo
sem acumular sinais de decomposição genômica".
"Para descobrir como isso ocorre, provavelmente teremos
que combinar muitos dos grandes avanços na genética evolutiva dos últimos 100
anos".
Via | BBCBRASIL
Comentários
Postar um comentário