Além de um vazamento de restos tóxicos de mineração, que
contaminou diversas comunidades de Barcarena, no Pará, a gigante norueguesa
Hydro usou uma "tubulação clandestina de lançamento de efluentes não
tratados" em um conjunto de nascentes do rio Muripi, aponta um laudo
divulgado nesta quinta-feira pelo Instituto Evandro Chagas, do Ministério da
Saúde.
Após negar irregularidades, a Hydro admitiu, em nota, a
existência do canal encontrado por pesquisadores.
"Durante uma das vistorias, verificou-se a existência
de uma tubulação com pequena vazão de água de coloração avermelhada na área da
refinaria", afirma a empresa. "Conforme solicitado pelas autoridades,
a empresa está fazendo as investigações necessárias para identificar a origem e
natureza do material, bem como realizando a imediata vedação desta
tubulação."
A multinacional produtora de alumínio, cujo acionista
majoritário e controlador é o governo da Noruega, voltou ao noticiário
brasileiro após a confirmação do vazamento, no último sábado, de uma barragem
que continha soda cáustica e metais tóxicos, após chuvas fortes na região.
No ano passado, em meio a críticas do governo norueguês
sobre o desmatamento na Amazônia, a BBC Brasil informou que a empresa devia R$
17 milhões ao Ibama em multas por contaminação de rios da região em 2009.
"Houve duas constatações. Primeiro, transbordo de
efluentes. Os níveis de alumínio nos rios estavam 25 vezes mais altos que os
estabelecidos pela legislação. Segundo, o mais grave de tudo, a empresa fez uma
tubulação para jogar resíduos diretamente no ambiente", disse à BBC Brasil
o pesquisador em saúde pública Marcelo de Oliveira Lima, que assina o laudo
oficial.
Segundo o especialista, "a população usa estas águas
para recreação, consumo e captura de peixes", o que poderia levar a
contaminação também para o solo e o organismo dos moradores. Resultados de
testes feitos no cabelo e pele dos vizinhos à barragem devem ser divulgados nas
próximas semanas.
Após denúncias feitas por moradores de comunidades próximas
sobre o vazamento, a Hydro divulgou a seus clientes uma nota em que
classificava o episódio como "boato", afirmando que "não houve
vazamentos ou rompimentos" nos depósitos.
Após ser informada sobre o laudo oficial, entretanto, a
empresa norueguesa disse, em nota enviada à BBC Brasil, que "tem o
compromisso de corrigir qualquer problema que possa ter sido causado pela sua
operação".
"A Hydro Alunorte informa que está providenciando
imediatamente o fornecimento de água potável para as comunidades de Vila Nova e
Bom Futuro, com apoio da Defesa Civil. A empresa se compromete a colaborar com
as comunidades, onde foram coletadas as amostras pelo Instituto Evandro Chagas,
para encontrar soluções de acesso permanente à água potável, em conjunto com as
partes interessadas", afirma a companhia.
Questionada sobre a tubulação clandestina apontada pelo
laudo e sobre a nota em que negava o vazamento, a empresa disse que aguarda
receber o laudo oficial para comentá-lo.
Procurado, o governo norueguês afirmou que não conseguiria
responder às perguntas enviadas pela reportagem em tempo hábil.
Barcarena x Mariana
Nesta sexta, o Ministério Público Federal e do estado do
Pará enviaram à empresa um documento que solicita que uma das bacias da empresa
seja imediatamente embargada.
Segundo os órgãos, há risco de rompimento da bacia, o que
despertou temor por uma tragédia semelhante à de Mariana (MG), em 2015, quando
um mar de lama cobriu municípios e se espalhou pelo rio Doce até chegar ao oceano.
"Uma das bacias sequer tinha licença para operar.
Estamos recomendando desde o fornecimento de água, uma vez que o Evandro Chagas
constatou que essa água não é própria para o consumo", afirmou a promotora
de justiça agrária Eliane Moreira, em entrevista coletiva.
À BBC Brasil, o geógrafo Luiz Jardim, professor da
Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), disse que as barragens de
Mariana e de Barcarena "têm naturezas distintas".
"Enquanto a da Samarco, em Mariana, era para lavagem de
minério, a da Hydro, em Barcarena, é industrial, e guarda os resultados tóxicos
da transformação da bauxita em alumina. Ela já pressupõe a existência de
produtos químicos que fazem parte desta transformação, já que a limpeza dos
minérios é feita antes, em Oriximiná."
Para Jardim, que integra o Comitê Nacional em Defesa dos
Territórios Frente à Mineração, que reúne 110 organizações ligadas ao tema, o
risco de inundação em Mariana era maior graças ao relevo mineiro.
"Em Mariana, a barragem é muito mais alta do ponto de
vista de relevo, em relação à declividade da Amazônia, onde há uma planície
fluvial. Então a força do rompimento, caso ele ocorra, será menor. O que é
central no caso de Barcarena é o potencial mais alto de contaminação dos
rejeitos", avalia.
'A gente não quer migalha'
Em junho do ano passado, a BBC Brasil revelou que a empresa
controlada pelo governo norueguês é alvo de uma série de denúncias do
Ministério Público Federal (MPF) do Pará e de quase 2 mil processos judiciais
por contaminação de rios e comunidades de Barcarena (PA).
Segundo o Ibama, a empresa não pagou até hoje multas
estipuladas em R$ 17 milhões, após outro transbordamento de lama tóxica, em
2009. Ainda de acordo com o instituto, o vazamento na época colocou a população
local em risco e gerou "mortandade de peixes e destruição significativa da
biodiversidade".
O trauma com o último vazamento trouxe pânico a moradores de
comunidades próximas à sede da empresa, localizada em área de difícil acesso na
floresta amazônica.
"Esse não é o primeiro vazamento. O de 2009 impactou
demais", diz à reportagem Sandra Amorim, moradora da comunidade quilombola
sítio São João, que fica a um quilômetro da bacia da Hydro.
"Primeiro eles negaram. Depois do laudo, dizem que teve
vazamento. Eles prometeram agora que vão começar a distribuir água mineral
potável e comida. Isso não é suficiente pra gente. A gente não quer migalha. A
gente quer essa situação resolvida", afirmou.
A moradora prossegue, dizendo que "tem pessoas com
coceiras pelo corpo e gente ficando doente" na comunidade.
Não há confirmação oficial sobre contaminação de moradores
da região afetada até que os testes feitos por peritos sejam divulgados. O
laudo recém-divulgado pelo Instituto Evandro Chagas aponta que a concentração
de elementos como alumínio, chumbo, sódio e nitrato e alumínio nos rios da
região extrapolaram os limites estipulados pelo Ministério da Saúde.
O pH registrado nas águas foi 10 - extremamente alcalino, em
decorrência do derrame de soda cáustica, usada no processo de beneficiamento da
bauxita, matéria-prima do alumínio.
Rastro de poluição
A Ordem dos Advogados do Brasil no Pará (OAB-PA) afirmou, em
nota, que vai pedir o afastamento do secretário de Meio Ambiente do Pará,
Thales Belo, e intervenção judicial na Secretaria de Meio Ambiente e
Sustentabilidade do Pará (Semas), após a constatação da tubulação clandestina
na região.
"Causou indignação especial a constatação pelos
pesquisadores do IEC da existência de um dreno 'clandestino', por onde a
empresa, com a aquiescência da Semas, drenava rejeitos quando as chuvas se
intensificavam", diz o órgão.
Graças a uma rede de abastecimento de água que atende a
apenas 40% da população local, os rios e poços artesianos são a principal fonte
de água na região da pequena Barcarena - que viu sua população crescer em ritmo
três vezes mais rápido que o do resto do país nos últimos 40 anos graças aos
empregos gerados por mineradoras que se instalaram na região.
Formado por dezenas de ilhas e igarapés, o município
experimenta crescimento desordenado desde que se tornou um importante
exportador de commodities minerais (bauxita, alumínio e caulim), vegetais
(soja) e animais (gado vivo).
"O histórico de acidentes ambientais em Barcarena é
impressionante, uma média de um por ano", disse à BBC Brasil, em junho
passado, o procurador da República Bruno Valente, que assina uma ação civil
pública movida em 2016.
"O transbordamento de lama da bacia de rejeitos da
Hydro afetou uma série de comunidades em 2009 e até hoje nunca houve uma
compensação ou pagamento de multa", afirmou.
Dono de 34,3% das ações da megaprodutora mundial de
alumínio, o governo da Noruega ganhou manchetes em todo o mundo no ano passado,
após criticar publicamente o aumento do desmatamento na Amazônia.
Despertando constrangimento na primeira visita oficial do
presidente Michel Temer à Noruega, o país anunciou, na época, um corte estimado
em R$ 200 milhões nos recursos que repassa ao Fundo Amazônia, destinado à
preservação ambiental.
Via | BBCBRASIL
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