O ano era 1916. Crescia o número de soldados feridos na 1ª
Guerra Mundial e o algodão - usado para tratá-los - começava a ficar escasso
nas trincheiras dos Países Aliados. Foi quando um cirurgião e um botânico
escoceses redescobriram as propriedades de uma simples planta, que acabou sendo
usada em larga escala pelo Reino Unido para tratar os feridos em combate.
Esfagno, tipo de musgo, pode absorver e reter até 20 vezes o equivalente a seu peso em água |
Trata-se do sphagnum, tipo de musgo conhecido pelo nome de
esfagno.
Algumas espécies de esfagno seco podem absorver e reter até
20 vezes o equivalente a seu peso em água... ou em sangue.
Os especialistas do Exército perceberam que a planta era
duas vezes mais absorvente que o algodão e, em dois anos, o Reino Unido, que
produzia 200 mil bandagens de esfagno por mês em 1916, passou a produzir um
milhão em 1918.
Em seguida, as bandagens foram enviadas para mais de 50
hospitais de campanha em diferentes pontos da frente de batalha, como
Alexandria, no Egito, de acordo com relatos da época.
Na verdade, o cirurgião Charles Walker Cathcart e o botânico
Isaac Bayley Balfour não fizeram nada além de redescobrir algo que povos
antigos já usavam para curar feridas de soldados há 1.000 anos.
Os alemães, inimigos na guerra, também adotavam o recurso
desde o início dos combates, em 1914.
Mas o Reino Unido deu início a uma operação em larga escala
sem precedentes.
'Dever patriótico'
O musgo de esfagno é uma planta não-vascular (que não
apresenta mecanismos de condução de fluidos) que se desenvolve especialmente em
climas úmidos e frios.
Cathcart e Balfour fizeram testes até concluir que duas
espécies - sphagnum papillosum e palustre - eram consideradas as melhores para
estancar sangramentos e ajudar a curar feridas.
Ambas cresciam em abundância na Escócia, Irlanda e
Inglaterra, onde um pequeno exército de voluntários - formado em sua maioria
por mulheres e crianças - se reunia para colher e secar as plantas, que seriam
usadas posteriormente em ataduras e compressas.
De acordo com a historiadora britânica Thelma Griffiths, era
um trabalho árduo. O musgo é encontrado no entorno de riachos e pequenos lagos
e em regiões pantanosas. Eram coletados em sacos, que depois eram pisoteados
para extrair a água.
"As mulheres deviam sentir frio e estar encharcadas,
arrastando suas saias longas molhadas", afirmou Griffiths à BBC.
"Mas acreditavam que era um dever patriótico",
completou.
Esse batalhão de voluntários logo se espalhou pelos Estados
Unidos e Canadá.
Duas propriedades impressionantes
A capacidade do esfagno em absorver água como uma esponja se
deve a sua estrutura celular - 90% do volume de suas folhas são formados por
células mortas, cuja função é exatamente armazenar água.
Essas ataduras pouparam muitos esforços. Por serem mais
absorventes, não precisavam ser trocadas com tanta frequência, o que
significava menos trabalho para a equipe médica e menos dor para os pacientes.
Mas, além da impressionante capacidade de absorção, o
esfagno tinha outra enorme vantagem sobre o algodão, que também era mais caro:
propriedades antissépticas.
As células do esfagno têm a capacidade de diminuir o pH do
ambiente a seu redor, tornando-o ácido o suficiente para inibir a proliferação
de colônias de bactérias.
Essa propriedade tinha um valor inestimável em tempos de
guerra, quando médicos e enfermeiros do Exército travavam uma batalha
particular contra a infecção de feridas, que muitas vezes levava à amputação de
membros ou à morte de soldados por sepse.
Assim, as ataduras e compressas de musgo permitiam, de forma
natural, a criação de um ambiente esterilizado em torno da lesão, que era
curada com mais facilidade.
Simplesmente um musgo
Com o fim da guerra, a demanda por ataduras diminuiu, e o
exército de voluntários desapareceu.
O trabalhoso processo de produção deixou de valer a pena e
as compressas deixaram de ser usadas.
Apesar de terem sido produzidos em pequena escala na 2ª
Guerra Mundial, os curativos de esfagno voltaram para o reduto da medicina
alternativa. E por ali ficaram.
Atualmente, a planta é usada na horticultura e como
biocombustível, mas não salva mais vidas.
Via bbcbrasil
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