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O invasor: como o coral-sol está acabando com a biodiversidade

Quem mergulha e se depara com o coral-sol embaixo da água fica maravilhado com sua beleza, mas poucos sabem que ele é uma praga que está contaminando o litoral do Brasil e ameaça a biodiversidade das regiões onde se instala

(FOTO: LEO FRANCINI)

A 45 km da costa de São Paulo, o arquipélago de Alcatrazes não é um lugar comum. O cenário rochoso que surge imponente em alto-mar é o maior ninhal de aves marinhas do sudeste brasileiro. No topo do paredão de 316 metros de altura da ilha principal, trinta-réis, gaivotões, atobás e fragatas convivem e ocupam o espaço que serve como um berçário paradisíaco para seus filhotes.

Há 12 mil anos, o local estava ligado ao continente, o que contribuiu para que Alcatrazes abrigasse espécies únicas: duas pererecas, uma jararaca e três plantas só podem ser encontradas ali. O arquipélago também abriga a maior biomassa da costa brasileira, conceito que abarca toda a matéria viva presente em um ecossistema.

“A quantidade de peixes é a maior entre todos os pontos clássicos, incluindo Abrolhos e Fernando de Noronha”, afirma Alexandre Costa, analista ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). “O tamanho das espécies é inigualável.” Apesar de poderosa, a biomassa de Alcatrazes é extremamente delicada, e é debaixo da calmaria da água que uma ameaça avança silenciosamente. O coral-sol, conhecido por devastar a biodiversidade dos locais que invade, chegou ao arquipélago e vem se multiplicando em alta velocidade.
Há um ano foi realizada a primeira grande expedição para averiguar a situação do coral-sol na região. A bordo da embarcação catarinense Soloncy Moura, nove pesquisadores munidos de martelos, talhadeiras e sacolas passavam o dia recolhendo colônias e fazendo anotações sobre os diferentes locais em que o coral foi encontrado. Após dez dias de trabalho, o diagnóstico foi pouco animador. “Nossa primeira ideia era de que a invasão estava em uma fase inicial, fácil de controlar, mas a situação é alarmante”, afirma Kátia Capel, pesquisadora da UFRJ que participou da expedição e cuja tese de doutorado trata justamente da estratégia reprodutiva e da estrutura genética dos corais invasores.

De acordo com ela, os cientistas conheciam apenas três ou quatro pontos do arquipélago que continham uma quantidade relevante do coral. Ao término do trabalho, a expedição retirou cerca de 1,5 mil colônias espalhadas ao longo de 19 pontos. Além da surpresa em relação à intensidade, outra novidade foi a descoberta da presença de mais um tipo de coral-sol. Até então, acreditava-se que a única espécie existente ali era a Tubastraea tagusensis, originária das ilhas Galápagos, mas a Tubastraea coccinea, oriunda do Indo-Pacífico, também foi encontrada em Alcatrazes. As duas são igualmente danosas — entretanto, o fato de existir um segundo tipo demonstra a profundidade do problema e a dificuldade em mapeá-lo com precisão.
VELOZ E AVASSALADOR

A velocidade da reprodução e a precocidade da maturidade reprodutiva do coral-sol são os grandes responsáveis pelo seu potencial destrutivo. As espécies se reproduzem por meio da liberação de larvas pelos coralitos. Elas vagam pelo oceano até encontrar um lugar apropriado para se assentar — em geral um costão rochoso, exatamente como o de Alcatrazes. “As espécies dependem de um espacinho e, se chega outra que se reproduz mais rapidamente, a espécie nativa, mais lenta, acaba diminuindo a longo prazo.

Onde antes havia algas, esponjas e todas essas espécies que ocupam o costão, agora é só coral-sol”, diz Kátia. Além de não possuir um predador natural em águas brasileiras, suas estratégias de defesa são bastante requintadas: o coral-sol pode tanto liberar compostos alelopáticos, que inibem a presença de outras espécies ao seu redor, como fazer uso de expedientes mais agressivos. Relatos dão conta de que os filamentos mesentéricos do coral-sol podem causar necrose no tecido da outra espécie, em particular no coral-cérebro.

A relação conflituosa entre esses dois corais, aliás, é um capítulo à parte nessa história. Menos atrativo em termos de estética, o coral-cérebro só fica com os tentáculos abertos durante a noite e sua coloração é menos intensa, algo como um marrom esverdeado. É peça fundamental na construção dos recifes do Nordeste.

O efeito devastador exercido pelo coral-sol pode comprometer o futuro dos recifes de Abrolhos, arquipélago localizado no sul da Bahia e ponto de maior diversidade de corais em todo o Atlântico Sul, além de outras localidades em que já houve registros da presença do coral. Outro fator essencial para compreender o perigo representado pelo coral-sol é sua origem, o Oceano Pacífico. Se o chamado Triângulo dos Corais (área situada entre o Sudeste Asiático e o norte da Oceania) conta com cerca de 600 espécies, a costa brasileira possui apenas 18. Ou seja, sem predadores naturais fica muito mais fácil dominar os espaços.

Essa relativa baixa diversidade de corais faz com que os prejuízos causados pelo coral-sol na costa brasileira sejam ainda mais danosos do que no resto do mundo. “Nossa biodiversidade não está preparada para responder ao coral-sol”, afirma a pesquisadora.
Virar sertão?
Os pesquisadores que frequentam Alcatrazes não têm como indicar o responsável pela invasão do coral, mas indícios apontam para a negociação de uma monoboia, estrutura metálica e flutuante que auxilia nas operações petrolíferas em alto-mar. Uma peça de aproximadamente 17 metros de diâmetro que pertencia à Petrobras foi vendida para outra companhia, que a adquiriu como sucata.

O equipamento, repleto de coral-sol, foi transportado da costa do estado do Rio de Janeiro até o porto de São Sebastião, em São Paulo, onde ficou parado por pouco menos de dois anos. As colônias de coral-sol dominaram as ilhas da região antes que a monoboia fosse descoberta, mas o fato de o equipamento estar totalmente infestado dá a dimensão de como o assunto é tratado pelas autoridades. Se a responsabilidade da invasão não pode ser colocada na conta da estatal, o fato é que a monoboia aprofundou o problema. “Ainda que a Petrobras tenha se esforçado para remover todas as colônias da monoboia, algumas se desprenderam naturalmente e alguns costões rochosos ou estruturas portuárias podem ter sido infestados”, afirma Ignácio Santos, fiscal do Ibama.

Se em Alcatrazes a invasão ainda não dominou 100% do costão, em Ilha Grande, a maior de Angra dos Reis, a situação é bem mais consolidada. Os primeiros registros do coral-sol na região datam da década de 1980 e é consenso que a invasão aconteceu graças à presença de estruturas petrolíferas que se movem lentamente e trazem em seus cascos os mais variados organismos, que vão se acumulando ao longo do percurso — o mesmo roteiro observado agora em Alcatrazes.

Em Ilha Grande a situação é tão grave que a única iniciativa dedicada exclusivamente ao tema no Brasil nasceu lá: desde 2006, o Projeto Coral-Sol vem realizando um intenso trabalho de combate à bioinvasão, promovendo a pesquisa, o monitoramento e a educação ambiental, além do manejo dos corais. Segundo dados de 2011 do projeto, a Tubastraea coccinea já dominou 59% da área de costões rochosos da Baía de Ilha Grande, enquanto a Tubastraea tagusensis já se impôs em 62% do território. Se em 2000 foram registrados 30 locais com o coral, esse número saltou para 78 em 2011, em uma expansão linear de 2,1 quilômetro por ano.
Simone Oigman Pszczol, coordenadora institucional do Projeto Coral-Sol, define a iniciativa do Instituto Brasileiro de Biodiversidade como um projeto socioambiental. As áreas de maricultura, pesca e turismo — principalmente para mergulho — são as mais prejudicadas. “Mergulhadores buscam áreas de maior biodiversidade, e o coral-sol pode tornar o ambiente marinho monótono.”

O programa já capacitou 30 moradores da região, muitos deles trabalhadores dos setores econômicos atingidos, para atuarem como catadores, o que gera renda para a população local, uma das preocupações centrais da iniciativa. O projeto promove a utilização dos esqueletos dos corais removidos para a confecção de peças artesanais. Mais de 227 mil colônias já foram retiradas, 80% delas entre 2011 e 2012, período em que o Projeto Coral-Sol contava com patrocínio da Petrobras.

No meio desse oceano alarmante, algumas marolas de otimismo começam a surgir vagarosamente no horizonte. A Rede Coral-Sol, nome dado ao corpo de 30 pesquisadores do projeto, incluindo a própria Kátia, vem investigando possíveis aplicações benéficas desenvolvidas com o próprio invasor. De acordo com Simone, cientistas estudam a possibilidade de os compostos químicos do coral-sol serem utilizados para a produção de ração para avicultura, correção de pH do solo na agricultura e até no combate a doenças como malária e câncer. Será que o grande vilão dos mares brasileiros terá tempo para se redimir?

O TERROR DO COSTÃO
Como o coral-sol se instala em novos habitas, se multiplica até acabar com as outras espécies e se tornou um problema para a biodiversidade das águas brasileiras

1. CHEGADA: O coral-sol é originário do Indo-Pacífico e chegou ao Caribe na década de 1940, incrustado em cascos de navios. No Brasil, as primeiras colônias foram encontradas nos anos 1980, em plataformas de petróleo na Bacia de Campos, Rio de Janeiro

2. SOBREVIVÊNCIA: Para que uma espécie não nativa se estabeleça é preciso superar uma série de obstáculos. O Oceano Atlântico tinha tudo: a escassez de competidores e predadores naturais fez com que o coral sobrevivesse e se dispersasse com facilidade

3. REPRODUÇÃO: Para se reproduzir o coral-sol libera larvas no oceano, formadas tanto por reprodução sexuada como assexuada. Elas dão origem aos pólipos, que se dividem e fazem com que as colônias sejam compostas de clones: cada coralito é um indivíduo, mas idêntico aos demais

4. DISPERSÃO: As larvas podem ser carregadas por correntes marinhas, reiniciando o processo de invasão. Hoje o coral é encontrado em costões rochosos na Flórida, no Golfo do México, no Caribe e no Brasil

5. AMEAÇA: O coral-sol domina o espaço que antes era ocupado por espécies nativas, como corais, algas e esponjas. Sua taxa de crescimento é acelerada e o costão rochoso fica tomado de pontinhos laranjas — que enchem os olhos e esvaziam os mares


PARA SABER MAIS
Projeto Coral-Sol | coralsol.org

Instituto Chico Mendes de Biodiversidade | icmbio.gov.br

Via Galileu

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