FUNÇÃO ECOLÓGICA PARECE ESTAR POR TRÁS DE LUMINOSIDADE MAIOR À NOITE,
SEGUINDO CICLO DE CERCA DE 24 HORAS
Três fases do crescimento de Neonothopanus gardneri |
Em noite de lua nova, se tornam mais óbvias as
luzes verdes ao pé de palmeiras-babaçu na região do município de Altos, no
Piauí. São os cogumelos da espécie Neonothopanus gardneri, também conhecidos
como “flor de coco”. O químico Cassius Stevani, da Universidade de São Paulo
(USP), já tinha mostrado que eles emitem luz por meio de reações químicas como
se fossem vagalumes, mas sem piscar (ver Pesquisa FAPESP nº 168). Agora,
continuando a linha de estudos que segue desde 2002, ele e colaboradores
mostraram que a luminosidade emitida por esses fungos segue um ritmo de cerca
de 24 horas, segundo artigo de capa da revista Current Biology, publicado
anteriormente na sua versão on-line (19 de março)
Para investigar o ritmo biológico da espécie
durante pós-doutorado no laboratório de Stevani, o químico Anderson Oliveira
embarcou para o Darthmouth College, nos Estados Unidos, com alguns frascos com
cultura de filamentos do fungo (micélio) na bagagem. Lá, pôs em prática uma
colaboração com o biólogo Jay Dunlap, cujo laboratório é especializado em
entender como funciona a noção do tempo em diversos organismos.
© CURRENT BIOLOGYDepois de detectar o ritmo
circadiano de emissão de luz – com variações fixas num ciclo de aproximadamente
24 horas – Oliveira, agora professor no Instituto Oceanográfico da USP, mediu
as quantidades das substâncias químicas responsáveis pela emissão de luz:
luciferina, luciferase e redutase. As duas últimas são enzimas que, na presença
de oxigênio e com ajuda das coenzimas NADH e NADPH, oxidam a primeira (o
substrato), numa reação química que libera luz. O experimento mostrou que os
níveis dessas substâncias também variam de acordo com o ciclo luminoso. “A
emissão de luz é controlada em nível molecular por concentração e atividade das
enzimas e quantidade de substrato”, explica Stevani. Para ele, o indício de que
esse fungo apresenta uma regulação genética no sentido de produzir mais luz
quando está mais escuro indica que o brilho tem uma função para o organismo.
Entender essa função exige uma incursão no campo da
ecologia, o que tem sido feito pelo bioquímico norte-americano Hans
Waldenmaier. Como parte de seu doutorado com Stevani, ele levou para a floresta
cogumelos de acrílico revestidos de cola e munidos de lâmpadas de LED verde,
que emitem luz de intensidade semelhante à de N. gardneri. Uma série de
insetos, entre besouros, moscas, vespas e outros, ficaram presos à cola
iluminada de verde. Cogumelos experimentais semelhantes, mas de luz apagada,
capturaram uma quantidade muito menor de insetos. “Imaginamos que os animais
atraídos pela luz ajudem a disseminar os esporos dos cogumelos, uma função
importante principalmente em florestas onde o vento é escasso”, diz Stevani.
Neste momento, seu grupo está participando de
filmagens das interações de cogumelos N. gardneri com insetos e aranhas para o
documentário One Planet, feito em várias regiões do mundo pelo canal britânico
de televisão BBC. O resultado deve ser exibido até o final de 2016. Nos
próximos tempos, o químico da USP continuará seu namoro com a biologia, tanto
em estudos ecológicos como na busca por entender como genes de atividade
ritmada conseguem controlar a bioluminescência dos cogumelos.
Projeto
Bioluminescência em fungos: levantamento de espécies, estudo
mecanístico & ensaios toxicológicos (13/16885-1); Pesquisador responsável
Cassius Vinicius Stevani (IQ-USP);
Modalidade Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa; Investimento
R$431.880,98
Artigo científico
OLIVEIRA, A. G. et al. Circadiancontrol sheds light on fungal bioluminescence. Current Biology, on-line
19 mar 2015.
Comentários
Postar um comentário